sexta-feira, 17 de março de 2017

O terror de ser um igual


Os homens se relacionam com objetos, assim como se relacionam com outros homens e consigo mesmos. Digo isto sem apontar como algo ruim. Os homens querem ter coisas, querem dar coisas. Crianças querem ganhar presentes: isto mostra para elas que são amadas, que estão no escopo de dar, de um adulto.

No mundo sempre se está dando algo. Se você tem algum dinheiro a mais, ou tempo a mais, e usá-los só para si mesmo, poderá se sentir sozinho. Nem sempre o si mesmo é uma companhia clara. Então dar presentes, assim como passar um tempo com o outro, é um carinho. Carinho em si mesmo. Este dar de si no mundo da generosidade é o que falta àquele que não tem. O indivíduo que não tem o que dar vale menos. “Não se espera nada dele”: isso o destrói. “Dele eu espero algo grande, que não sei bem o que é.”: esse vai longe.

A questão não é ter ou não ter, mas ter para aparecer ou não ter para aparecer. Aqueles que não têm, que nunca foram vistos como alguém à altura de dar, têm tudo para roubar. "Já que não dou, eu tiro. Assim você me reconhece." E é uma miséria querer ser reconhecido. Então não se trata de esperar para receber de quem tem, mas de ser aquele que determina quando quem tem dará ou não. Ghiraldelli conta, a partir do filósofo coreano-germânico, Buyng Han (http://ghiraldelli.pro.br/filosofia-social/somos-todos-terroristas-sociedade-contemporanea-e-individualismo-partir-de-buyng-chul-han-e-peter-sloterdijk.html) que a ação que visa causar impacto é uma tentativa de singularidade no mundo da igualdade de todos. Não ser só mais um consumidor, ou só mais um bandido. Ser O Consumidor, O Bandido, é o que importa.

Na sala a menina fala ao professor que uma vez foi à delegacia reclamar de ter sido roubada, e o policial não fez nada. Ele não diria para ela as histórias de grandes crimes, grandes bandidos, que conta aos colegas. Dessas histórias, ela não tem qualquer participação. Se ele lembrar, contará aos colegas sobre o quanto, frente ao que é grande, deixa de atender ao pequeno. O crime que ameaça o indivíduo é um drama pessoal, o outro que o subtrai. Este crime, um atentado bastante subjetivo, é tomado pelo policial como meramente subjetivo, querer chamar mais atenção do que os grandes crimes. Assistimos aos crimes como novela. Já que são abstratos, dão um crime-novela.

O crime pessoal é o que me faz sofrer, é meu drama. Para mim, é a pior coisa, e contra quem o cometeu eu quero a pior punição. Isto é pleiteado com força, justamente porque ninguém reconhece meu sofrimento em não poder mais dar. Ou melhor, riem dele.

O crime que me singulariza, como vítima ou bandido, é tomado como coisa nenhuma. A minha perda, ou o meu ganho, são triviais. Os objetos de que eles tratam são ridículos. Agora, falar de grandes crimes, grandes bandidos e grandes policiais é falar de objetos que importam. Esses personagens giram em torno desses objetos. O bandido tocou o terror. A vítima sofreu o terror. O policial também tocou o terror. Ninguém quer ser um qualquer. Na sala de aula, grandes são as ideias. A elas, o professor subordina os casos em que a polícia diminuiu a menina, ou aquele em que ele mesmo esteve sob a mira de uma arma. Mas a menina parece querer se singularizar mais pelo que passou com o policial do que com o fato de ser aluna. Lógico, o que é um aluno? Ou um professor?

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