domingo, 4 de dezembro de 2016

Novas ideias para as escolas ocupadas


Os grupos de militantes mais expressivos que temos são os que defendem os direitos dos gays, dos negros, das mulheres e dos estudantes. Por direitos, em um contexto de política liberal, entende-se a garantia de condições para que os indivíduos se desenvolvam intelectual, moral, social e materialmente. Militar em favor desses direitos é, portanto, algo correto a se fazer. E a direção correta da militância é a defesa desses direitos. Fazer jus a direitos significa que se está inserido em uma sociedade e se participa de um Estado. Portanto, não se está isolado no próprio direito, mas este direito deve ser defendido pelo todo da sociedade, bem como assegurado pelo Estado.

Aquelas militâncias organizam-se em torno de identidades: o negro, o gay, o estudante e a mulher. Por meio dessas imagens, indivíduos fazem as reivindicações por melhorias em suas vidas. Nem toda reivindicação social para a política ocorre por meio de uma identidade: as pessoas, em geral, pedem melhorias nas vias públicas, na segurança de alguns bairros, etc. Mas a identidade, sem dúvida, é um agregador por meio do qual o indivíduo procura realizar um direito que já é seu, como indivíduo. É uma forma não só de apresentar-se socialmente, como de melhorar a própria relação com o Estado. No entanto, há situações em que a reivindicação baseada em identidade antes isola os indivíduos com relação à sociedade e ao Estado do que permite sua comunicação com eles.

Estudantes têm direito a estudar. A forma criada pela nossa cultura para proporcionar isso a uma população é a da escola, em que pessoas com mais idade e com alguma formação encontram pessoas com menos idade e sem formação. Nesse encontro, espera-se que as primeiras transmitam às segundas o melhor do conhecimento acumulado na própria cultura, em diferentes áreas do saber. E que também criem na escola um ambiente com normas e regras para a boa convivência. Atualmente, algumas escolas foram tomadas por jovens que deveriam ser alunos nelas. Tornaram-se territórios dominados pelas vontades deles, fechados à presença e à participação de adultos que venham como contraponto ao que eles querem. Como justificativa, esses jovens dizem estar lutando contra medidas do governo “contrárias à educação”.

Nessas dominações, a escola, como instituição de ensino, foi interrompida. A educação foi interrompida, de vez. Educar crianças e jovens é dever do Estado e da família. Se é dever deles garantirem a educação de crianças e jovens, estes também estão obrigados a frequentarem a escola e a se educarem. Esse é um dever que, quando exercido, faz laço social. Mas essa militância que domina as escolas é antes a primazia da identidade “estudante” do que a busca por realizar o direito à educação. Ser um estudante e dominar escola está vindo antes do certo a ser feito.

Paulo Ghiraldelli Jr mostrou que nossa militância de esquerda herdou de Rousseau o pensamento de que o pecado original do homem, a raiz de todo mal social, foi quando um indivíduo cercou um pedaço de terra e disse que aquilo é sua propriedade (http://ghiraldelli.pro.br/filosofia/espelho-de-lula.html). Quem tem propriedade tem o fruto de um roubo, nesse ponto de vista. A primeira medida que a militância de esquerda solicita da política é a taxação das riquezas. E um roubo como o que o PT fez ao país não é sequer mencionado, e quando o é, é justificado como uma “desonestidade que não é desonesta, mas correta”. É uma defesa do partido antes do que da honestidade. Os jovens que dominam suas escolas entendem que estão tomando de volta um território, e querem mandar sozinhos, nele.

Esse mito de que um dia algo lhes foi roubado vem à tona na urgência em ser Estudante, em tirar todas as pessoas e as propostas que não são Estudante, de perto. Vemos essa urgência quando uma militante feminista diz que um homem não pode falar sobre o feminismo, ou quando um militante pelos direitos dos negros diz que um branco é cínico quando vai à delegacia denunciar uma atitude racista que um negro tenha sofrido. Lições de mestres são tomadas como invasão, funcionamento escolar é tomado como prisão, e os Estudantes então anseiam por ter aquele território só para eles.

Há muito se diz, na escola, que os portugueses invadiram o Brasil. Ao discurso da descoberta e da posse vem se contrapondo o da invasão e da exploração. Sim, os índios morreram, e os negros sangraram, mas o que podemos fazer, hoje? Cuidar do que temos e de quem somos, certo? Mas aqueles jovens querem ser os índios que vêem as caravelas chegando. Ao invés do contraponto dos discursos, o discurso da dominação tornou-se uma obsessão. Rousseau não disse que um homem civilizado poderia retornar à vida sem cultura. Mas esses jovens que tomam escolas acreditam que podem dispensar a educação, a cultura, o Estado e os outros pontos de vista.

Tá na hora do governo, dos professores e dos pais, que estão fora da escola, exercerem o seu papel e tomarem aqueles jovens para novamente serem governados, alunos e filhos. Mas será que estes adultos também não têm uma má consciência, sentem-se dominadores? Governantes, professores e pais que não vêem sentido positivo em seus papéis, mas apenas autoritarismo? Autoridades que não dão nada em troca? Para desonerarem-se desse peso, os adultos deixam os jovens sozinhos, deixam-os excluírem-se a si mesmos nos muros de uma escola.

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