quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Porta na cara


Eduardo Paes, ao entregar uma casa a uma mulher negra, em uma favela, disse que ela usaria o lugar para trepar muito (http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2016-08-28/paes-aparece-em-video-sugerindo-que-mulher-vai-trepar-muito-na-nova-casa.html). Paes, inclusive, sugeriu a formação de uma fila, com distribuição de senhas.

Luciano Huck fazia o mesmo ao reformar o carro das pessoas: chamava-os de podres para baixo. As pessoas são pobres, moram mal, têm carros podres e trepam muito. Paes e Huck, benevolentes, deixam o trato social de lado e “humilham” os beneficiários de suas ações.

É preciso entender melhor essa “humilhação”. Paes e Huck apontam, trazem para o show, certos elementos da vida privada das pessoas com quem eles lidam. Em seus programas e caminhadas-palanques, quando desviam o foco de si mesmos e focalizam as pessoas é para contraporem o necessitado ao não necessitado. Eles dizem que farão algo por “quem precisa”, e logo mostram uma imagem ilustrativa. E então o foco volta a ser eles mesmos, já mostrando-os como benevolentes.

Paes e Huck têm grande sucesso popular. Vestem-se de cariocas e vão comer feijão na casa de alguém, na favela. Criticam tudo o que podem. Ao fazerem isso, pensam ver nos olhos das pessoas a confissão de que erraram na vida, e o pedido de ajuda. Esta visão, é claro, será mencionada no vídeo, através das palavras dos apresentadores ou de “depoimentos” dos pobres.

Para entregar o carro reformado e a casa nova, não podem simplesmente passar as chaves para as famílias. Isso faria com que parecesse que se trata de um serviço que eles prestaram, que receberam alguma coisa, por exemplo um e-mail, e pagaram com o bem. Não. Eles não são servidores.

Mesmo que Paes esteja entregando a casa através de um programa social do seu governo, ele não se coloca como servidor público. Ele não honra o seu cargo porque não honra aquele para quem ele trabalha. Ele não gosta do pobre, e também despreza a casa que entrega. Tratando o pobre como um necessitado, e a si mesmo como um provedor-que-puxa-orelhas, ele fica distante de, por exemplo, ser um Obama, que vê a si mesmo como o melhor presidente do melhor país, pois foi um lutador em defesa dos valores que ama.
O preço que as pessoas pagam pelos bens que recebem de Paes e Huck é exibirem sua pobreza. Isso significa que devem exibir tanto uma carência de bens quanto uma alegria meio insana. Neste vídeo, Paes quis mostrar a falta da mulher em cuidar da própria intimidade. Carro podre, favela podre, casa podre e, agora, comportamento sexual podre.

A mulher pode ou não fazer sexo com muitos homens. Isso não sabemos, no que fica bem demonstrado ao final do vídeo quando ela fala “deixa eu fechar essa porta”. Ter uma casa é ter dignidade porque é ter uma barreira aos olhares dos outros. É ter um lugar a partir do qual a pessoa se exibe, mas regulando a abrangência do público da exibição. Quando eu tomo banho, o público de exibição é restrito a mim mesmo. Ou melhor, eu não consigo me ver por inteiro.

Desde que surgiu, Paes quis ser uma espécie de carioca-modelo: sorriso largo, camisa listrada, chapéu, samba. E guardas-municipais batendo e roubando camelôs não cadastrados, e polícia despejando favelados e executando jovens desses lugares. Bom carioca deve ser ordeiro e alegre. E, lógico, não subir e não descer a favela. O que ele disse para a mulher, no vídeo, é da vontade dele em ser um amigão, aquele que “saca do povo”. Mostrou aberta a casa que deu à mulher. Agiu como aquela vizinha que comenta a vida dos outros e é fonte de incômodo e, também, pouco apreciada.

É como uma ave negra que fica “agorando”, “agourando” a felicidade dos outros. Ao fazê-lo Paes não sabia que estava sendo filmado. Ao tratar o outro como deseducado, mostrou-se ele mesmo deseducado. E certamente fez surgir uma voz que nunca se calou, quando um figurão desses aparece no meio dos pobres: “quem ele pensa que é para falar assim com a gente? Deu a casa, tudo bem, mas já para a rua! Deu o carro, tudo bem, mas não te dou carona!”.
Eu ou você podemos dizer, pouco ou muito, o que Paes falou no vídeo. Falamos para nós mesmos, para nossos amigos. Se formos o Bolsonaro ou o Trump, dizemos em vídeo. Agora, um governante dizê-lo, enquanto realiza uma ação do seu governo, é não apenas a desmoralização do outro, mas de si mesmo, enquanto governante. Gritando a baixeza que supõe na mulher, Paes mostrou a própria baixeza.

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