terça-feira, 26 de julho de 2016

Sobre a vontade de ter poder


Você simplesmente gosta de ir na casa daquele amigo. Senta no sofá e olha para as pessoas de lá, sabendo o que elas vão falar. Comenta o que eles já sabem que você vai dizer.

Mas é gostoso, são aqueles personagens novamente. Você tem o seu jeito, seu amigo tem o dele, a mãe dele tem o dela, a cachorra tem o dela. Ela gosta de se enfiar entre vocês, no sofá, de início arranhando o tecido, depois se aquietando. Ela chega, é um show, depois fica ali, como bichinho.

"Não repara a bagunça" é o que te dizem para fazer você se sentir em casa. Mas um dia você não o escuta. Você não está no clima, e repara em tudo. Olha para as coisas, estranha a opinião da mãe do amigo, a cachorra estragando o sofá, a mesmice e o jeito meio bobo do amigo.

Seu olhar é como o de alguém de fora, alguém que não tem mais familiaridade com eles. Caso você diga "o que está pensando", mesmo que você receba uma resposta que não te peça para se explicar, você continuará falando "o que está pensando". Não poderá fechar a boca, pois quem começa a falar tem que continuar.

Assim, você continuará distante daquela casa. Se tiver sorte, a mãe do amigo pensará consigo mesma:"hoje ele está precisando botar algo pra fora. Deixa ele."

Caso você não diga "o que está pensando", e permaneça escutando, terá chances de ver algo bom naquilo, e se desarmar. Verá que mais valia a pena ter deixado a arma na soleira da porta, pois com ela não se pode ouvir nada e fica-se propenso a falar logo.

Quem carrega uma arma fica surdo. Quem carrega uma certeza fica surdo.

Quem "fala o que pensa" diz algo que está martelando na cabeça, uma ideia fixa. O que ele fala não provém de um pensamento. Já quem pensa fica lacônico, pois está escutando o ambiente e a si mesmo. Fica caladão, mas sem que ninguém repare, pois está com brilho nos olhos. Os olhos brilham, quando estamos interessados, receptivos.

A "vontade de potência" de Nietzsche é vontade de expandir-se, ir além. Não é vontade de ter poder, vontade de influenciar as coisas e a vontade dos outros. Nietzsche não falou de um princípio de socialização.

A pessoa interessada em ter poder mostra-se contida, um "exemplo de seriedade e educação". Pense no Hitler. A pessoa com vontade de potência ri. Vai direto para o sofá do amigo e recebe quem vem até ele.

Um cara esticado no sofá da sala enquanto as visitas chegam. Ele sem camisa. Roncando ou comendo amendoim. Os mais chegados sentam no braço do sofá, na ponta da almofada, no chão em frente ao cara. Usam o corpo dele como apoio para um prato. Próximo do short, até.

Muitas vezes eu sentei na cadeira da sala, guardando raiva do folgado. Neste texto estou admitindo que um folgado é coisa de um lar.

O controlador se contém, esconde seus interesses. Faz sugestões para que os outros também se contenham. Quando todos estiverem contidos, educados até à cachorra, o controlador se sentirá com poder.

A maioria, porém, apenas tem momentos assim.

Brigamos com meio mundo, dando a entender que fazemos melhor, que em nossa casa não tem daquilo (nessa hora fala-se em "minha casa" e em "sua casa", não em "mi casa, su casa"). Voltamos para a nossa própria casa e continuamos brigando com os objetos, arrumando tudo de uma vez só.

Mas isso passa assim que você senta na sala. E levanta-se, vai até a cozinha, pega um copo, enche, e volta para o sofá da sala. E deixa o copo em qualquer canto.

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