domingo, 17 de julho de 2016

Homem: criatura e criador, criador e criatura.


Ouvi de minha mulher uma história engraçada: um garoto perguntou à mãe de onde vem o homem. De Adão e Eva, respondeu ela. O garoto diz ter ouvido do pai que o homem veio do macaco. A mãe responde que a família do pai dele é que veio do macaco. A dela veio de Adão e Eva.

Peter Sloterdijk, em seu livro "Regras para o Parque Humano", comenta o que Heidegger diz na "Carta sobre o Humanismo" sobre a essência do homem. Para Heidegger, o pensamento europeu não se colocou apropriadamente a questão dessa essência. Uma definição lançada para o que é o ser do homem, a de que ele é um animal racional, apresenta-o como aparentado aos animais, porém com um adendo metafísico ou espiritual.

O homem aparece aí como ao mesmo tempo pertencente ao reino dos seres vivos e o ser vivo superior. A Heidegger importa denunciar o quanto de mal foi causado por esta ideia a respeito do homem, acabada sob a forma de humanismo: ela levou o homem a buscar o controle de tudo, inclusive de si mesmo, certo dos poderes da razão.

Afastando-se do vitalismo e da metafísica, Heidegger diz, a respeito do homem, que "é como se a essência do divino estivesse mais próxima de nós que a desconcertante essência dos seres vivos" (Carta sobre o Humanismo). Os animais chegam a seus ambientes e neles devem sobreviver. Eles apresentam engenhosidades na criação dos seus meios de vida. O homem também faz isso. O homem, contudo, tem uma essência completamente distinta da do animal: ele tem um mundo, e está no mundo. Ele não é um animal num ambiente.

O essencial do homem é que ele, por possuir linguagem, é convocado a ser guardião do ser. Há um ser do homem que corresponde a uma fraternidade humana antiga, uma comunhão de fala. Cada homem é existente ao ser posicionado como amigo dessa humanidade antiga, ou seja, aquele escuta e fala pelo ser do homem.

A definição do homem se libera, então, do aparato metafísico e vitalístico. E, se se aproxima do divino, é pela ideia de que o homem é criador do mundo, do mundo em que vive.

As teorias do Big Bang e a do Evolucionismo são as principais das ciências naturais. O Papa Francisco levou adiante a consideração da Igreja de que elas são verdadeiras, afirmando que a forma primeira tanto do universo, quanto das espécies animais, originou-se de um criador (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2014/10/1539614-teorias-do-big-bang-e-evolucao-estao-corretas-diz-papa-francisco.shtml). A partir do trabalho deste criador, o desenvolvimento de ambas ocorreu como o descrito pelas teorias.

Em sua encíclica Laudato Si, o Papa relembra que o homem é uma criatura responsável pelo que há no mundo. Ele tem capacidade de empregar e de às vezes modificar os processos naturais. Mas não pode agir como um explorador. Deve ser um guardião, criar condições para que a vida do ambiente, como um todo, seja bem cuidada e frutifique. Deve zelar por toda espécie viva, e isso inclui a espécie humana. É só assim que ele conseguirá viver dignamente.

Voltando à anedota do início deste texto, podemos dizer que o evolucionismo (que não afirma que viemos dos macacos, mas de formas longamente desenvolvidas e transformadas, que antecederam os macacos, passaram por eles e ganharam outros desenvolvimentos) nos sugere uma ética de respeito à vida na Terra, vida na qual nos inserimos.

Mas este respeito não é o de um ser dotado de um acréscimo espiritual especial, que porventura o fizesse superior a todos os outros seres, inclusive aos homens apontados como "insuficientemente razoáveis". Pelo Papa e a Igreja, o homem é uma criatura com a missão de ser guardiã da vida.

Por Heidegger, o homem é o guardião do ser, que fala longínqua e baixinho pra ele a essência, o ser de cada coisa. Com voz sutil, o ser chama o homem para fazer parte da antiga comunidade humana de criadores de mundos. E é num mundo criado por um homem, que este mesmo homem é criado.

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