quarta-feira, 20 de julho de 2016

A cintura de Davi


Davi entrega a cabeça de Golias, na obra de Caravaggio. Davi sente a mão pesada, por ter matado. Mas expressa ter feito o que era necessário. Está contido, mas orgulhoso.

Golias tem os olhos totalmente perdidos: não sabe o que ocorreu, nem o que está ocorrendo. Sua expressão congelou-se no instante em que a morte lhe acertou.

O rosto de Golias é o de Caravaggio, especialistas em pintura dizem. O pintor é o personagem morto, e faz Davi entregar a cabeça dele.

Saul era rei de Israel. Ele deveria conduzir o exército de dez mil homens de infantaria e duzentos mil de Judá até Telém. Samuel, que havia ungido Saul como rei, lhe diz "Ataque e condene ao extermínio tudo o que pertence a Amalec. Não tenha piedade: mate homens e mulheres, crianças e recém-nascidos, bois e ovelhas, camelos e jumentos." (Samuel, 15:3).

Saul foi e matou os habitantes de Telém, os amalecitas. Mas não matou Agag, rei deste povo. Também deixou de matar as melhores ovelhas, cordeiros e vacas.

Javé, então, falou a Samuel que estava arrependido de ter escolhido Saul como o rei. Saul justificou-se a Samuel, dizendo ter poupado aqueles animais para fazer um sacrifício a Javé.

"Por que você não obedeceu a Javé? Por que se apoderou dos despojos, fazendo o que Javé reprova?", "O que é que Javé prefere? Que lhe ofereçam holocaustos e sacrifícios, ou que obedeçam à sua palavra?", Samuel pergunta a Saul.

Samuel fez vir Agag, e o degolou. Javé entregaria o reinado a outra pessoa. Ordenou a Samuel que enchesse a vasilha de óleo e procurasse a família de um homem chamado Jessé. Javé apontará o novo rei a Samuel.

Jessé apresentou a Samuel os seus filhos. Ao ver Eliab, Samuel pensou que aquele seria o escolhido de Javé. "Não se impressione com a aparência ou a estatura dele. Não é esse que eu quero, porque Deus não vê como o homem, porque o homem olha as aparências e Javé olha o coração", disse-lhe Javé.

Entra Abinadab, e Samuel também diz não ser ele o eleito. Jessé fez entrar sete filhos seus, mas não era nenhum deles. Samuel pergunta a Jessé se ali estão todos os filhos dele. Não. O menor estava pastoreando ovelhas. Fizeram-no vir e entrar.

Era ruivo e belo. Javé mandou Samuel levantar-se e ungir Davi. Sobre o rapaz o espírito de Javé agora estava. Enquanto isso, Saul começa a ser perturbado por um espírito mau enviado por Javé. Os servos dele saíram a procurar um harpista para, ao tocar, acalmar Saul.

Um dos servos diz conhecer um filho de Jessé que é belo, bem articulado e bom músico. Chega Davi, e é apreciado por Saul, que o toma como seu escudeiro. A cada crise de Saul o jovem responde com bela e apaziguadora música.

Filisteus e israelitas iriam se enfrentar. Um vale separava ambos os exércitos. Do exército dos filisteus adiantou-se um guerreiro de três metros de altura. Seu colete pesava mais de cinquenta quilos. Pesava seis quilos a ponta da lança de Golias.

Golias se disse filisteu, e chamou os inimigos de escravos de Saul. Mandou que escolhessem um adversário para ele. O derrotado faria com que seu povo fosse escravo do outro povo. Os israelitas tremeram.

Davi era um pastor de ovelhas. Seu pai lhe pediu para levar alimentos aos irmãos mais velhos, que estavam acampados diante dos filisteus. Ao chegar na linha de batalha, perguntou aos irmãos se eles estavam bem.

Davi estava presente no momento em que Golias fizera aquele desafio. Eliab, irmão de Davi, indagou a Davi sobre o que ele fazia ali, tendo deixado o trabalho de lado para assistir a luta.

Apresentando-se a Saul, comandante dos israelitas, Davi disse-se protetor de seu rebanho de ovelhas. Leões que pegassem uma delas eram por ele agarrados pela juba e mortos a pauladas. "Esse filisteu incircuciso, que desafiou o exército do Deus vivo, será como um deles."

Davi disse que Javé estaria com ele, para livrá-lo das mãos do gigante. Tentando mover-se com a armadura, Davi despiu-se. Pegou o cajado, cinco pedras lisas e a funda.

Golias riu de Davi. E sentiu-se ultrajado, como se sentiria um leão: "Será que sou um cão, para você vir ao meu encontro com um pedaço de pau?". Davi disse que Javé não luta com espadas, e que entregará os filisteus a ele.

Golias se aproximou devagar. Davi correu, ajeitou a pedra na funda, atirou-a na testa do gigante. A pedra afundou-se e derrubou seu alvo. Davi pegou a espada do gigante e decepou-lhe a cabeça.

Os filisteus tentaram fugir, mas foram perseguidos e dizimados pelos israelitas. Davi levou a cabeça de Golias até Saul.


Caravaggio viveu na miséria, como outros artistas de sua época (de qualquer época). Chegou a ser chamado para fazer obras com temas bíblicos. Com essas obras, ganhou algum dinheiro e prestígio.

Comentadores da vida de Caravaggio dizem-no violento. Uma vez, numa disputa amorosa, ele desafiou o rival para um duelo de espadas. A luta terminou com a espada de Caravaggio enterrada na virilha do outro.

A cabeça de Golias seria a sua própria, sendo entregue. Caravaggio matou, era um bruto, e a delicadeza fraca da lei o apanhara. O bruto estava perdido, com a cabeça pega pela pequena mão do rapaz seguro de si e amparado por Javé.

Caravaggio foi um pintor sofisticado e um vagabundo. Atualmente fazemos inúmeros vídeos, cada um na intenção de expressar algo. Caras, bocas e músicas são preferidos mais do que textos ou pinturas. A imagem em movimento promete ter um sentido movente, significar mais coisas do que a imagem parada.

Uma imagem de Caravaggio dá um longo texto. Nos temas bíblicos o pintor encontrou o muito sendo dito em poucas palavras. Davi e Golias é uma história da Bíblia e uma história de Caravaggio.

Nenhum leão pegava a ovelha de Davi. Javé sempre esteve com ele. O pastor Davi protegeu suas ovelhas da escravidão. Cortou aquele que quis apossar-se delas.

Ele, um jovem magro, mas bonito como um deus. Em nada altivo, preso ao chão feito uma ovelha. Um homem ou um exército, por maior que fossem, não tinham o direito de pegá-lo. Também estavam no chão, embora não vissem isso.

Só Javé estava acima de Davi, e o protegia porque Davi via isso. Para Davi só existiam as ovelhas e Javé, as primeiras para serem cuidadas por ele com a ajuda do segundo. Ele mesmo era protegido.

Davi não era um homem que buscasse se destacar do seu exército, para lançar desafios. Golias, não fosse tão grande, teria passado uma vida de brigas, para se destacar dos outros. Seu tamanho facilitou que ele fosse um bruto sem disputas. Ele vencia só ao ser visto. Apanhava seus inimigos pelo tremor que causava.

Golias teve a cabeça cortada e trazida pela mão de Davi, à altura da cintura do jovem. Ao rés do chão, os olhos do gigante se perdiam.

Ao se colocar na mão de Davi, Caravaggio posicionou-se abaixo de uma lei. O que demonstra isso não é apenas a sua cabeça sendo entregue, mas a sua cabeça estando na altura da cintura de Davi. Acima dele agora estava a expressão serena e severa de Davi. E acima de todos estava Javé.

Reis, brutos, todos os que se considerassem grandes seriam carregados pela mão de Davi, trazidos à real estatura deles. E ao fazer isso, Davi se punha como mediador entre eles e quem está acima de todos.

O Antigo Testamento fala que não pode haver homem maior do que homem, e que para que isso ocorra deve-se obedecer a Javé. Não estranhe, pois não é necessário tomar Javé como um homem, e como ou opressivo ou um privilégio pessoal obedecer a ele.

Você pode tomar Javé como um princípio de vida, uma ética. Esta é uma visão desumanizada de Deus, e que coloca ao homem a questão da sua estatura e limites.

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