quinta-feira, 2 de junho de 2016

O respeito com o que é do outro


No episódio do dilúvio, constante no Gênesis, Javé arrasou todos os seres vivos da terra, com quarenta dias de chuva e cento e cinquenta de permanência das águas. Desde Adão, os homens mostram-se seres pecadores, no sentido de capazes de desobedecer aos preceitos de Javé. O dilúvio foi uma limpeza deste pecado. Após as águas baixarem, a família de Noé e os animais salvos puderam sair da arca. Javé disse ao carpinteiro que jamais voltaria a provocar outro dilúvio, outra "varredura em massa" contra os homens.

Quando Moisés conduziu o povo de Israel para fora do Egito, rumo à terra prometida de Canaã, o exército egípcio os perseguiu, para fazê-los voltar à escravidão. Javé queria que Israel formasse uma sociedade sem diferença econômica e sem opressão. No encalço de Israel, o exército egípcio o encurralou no Mar Vermelho. Por um gesto de Moisés, o mar se abriu para que Israel passasse com os pés secos. Atrás do povo, o mar ia se fechando por sobre os perseguidores, engolindo-os. Não foi Javé quem cobriu os pecadores de água, mas o levantar de braços de Moisés.

A chegada de Israel a Canaã teve a condução de Josué. Javé ordenou que ele tivesse firmeza e coragem para que cumprir os desígnios que passara a ele, através de Moisés. O povo veria que Javé está com Josué, não os deixando, portanto, sozinhos e desprovidos da proteção e orientação divina. Javé também não agiu sozinho, mas por meio de Josué. O sacerdote ordenou que a arca da aliança, a peça sagrada da aliança de Javé para com o povo, fosse a primeira a começar a travessia pelo rio Jordão. Ordenou, também que doze sacerdotes fossem indicados pelas doze tribos de Israel, na quantidade de um por tribo.

"Quando a sola dos pés dos sacerdotes, que levam a arca de Javé, Senhor de toda a terra, tocar a água do Jordão, a água do Jordão ficará cortada: a água que vem de cima ficará parada num só monte." (Josué, 3:13)

Quarenta mil homens, e a arca da aliança, atravessaram o Jordão incólumes. Os reis dos amorreus, habitantes a oeste, e os reis dos cananeus, habitantes de junto do mar, sentiram-se ameaçados ao verem que Javé estava com Israel.

Javé ordenou que Josué circuncidasse os descendentes ainda não circuncidados de Israel. Esta era a marca da pertença a este povo. Josué cumpriu o ordenamento. Eles estavam no mês da Páscoa, e no dia quatorze eles a celebram, comendo os produtos da terra. Deveriam pisar na terra, e consumir os produtos dela. Não estavam mais no deserto, e o maná pararia de cair dos céus. Começavam uma vida nova, aqui, e deveriam viver por suas mãos.

Chegando próximos a Jericó, cercaram-na e na hora certa atacaram-na. Javé havia lhes dito a consagrar tudo o que era vivo ao extermínio. A espada de Israel correu em crianças, mulheres, homens, velhos e animais. Toda a riqueza, prata, ouro e objetos de bronze e ferro de Jericó também seriam consagrados ao extermínio, devendo ser entregues ao tesouro de Javé. Javé não é um homem, que enriqueceria com esses bens, mas um destino das ações dos homens, com vistas a não se deixarem vencer pela cobiça dos seus olhos. Isto não foi o que fez Acã, que tomou riquezas para si. O exército de Israel sofreu uma derrota na cidade de Hai, e Javé reuniu o povo para dizer que aquele fato deve-se à falta de um de seus homens. Caso não obedecessem às leis contra a cobiça geradora de desigualdades, Javé se retiraria do meio deles.

"Acã respondeu a Josué: 'É verdade. Eu pequei contra Javé, deus de Israel, pois fiz o seguinte: entre os despojos, vi uma capa babilônica muito bonita, duzentas moedas de prata e uma barra de ouro que pesava meio quilo: eu os cobicei e peguei. Estão escondidos no chão, no meio da minha tenda, com a prata por baixo.' (Josué, 7:20).

No início do mundo, Eva olhou o fruto proibido. Foi vencida pela cobiça dos olhos. O fruto era uma delícia para os olhos. A cobiça a fez por a mão, pegar o fruto. O ato de pegar, tomar posse do que lhe fora vetado, foi a desobediência a Javé. Javé vetou os tesouros de Jericó, então os homens deveriam mostrar-se obedientes e dignos da proteção Dele. Adão e Eva, tendo comido a maçã e se percebido nus aos olhos um do outro, sentiram vergonha e taparam seus sexos. Esconderam-se de Javé, que os encontrou, julgou e castigou-os a viverem pelo mundo afora, olhando tudo, mas sentido vergonha do olhar do outro, como se escondessem algo, e não tendo acesso ao corpo e aos segredos do outro.

Tudo se mostraria para os olhos dos homens, menos os próprios homens. O homem é o ser que menos conhece a si mesmo. O inconsciente mostra o quanto somos inacessíveis a nós mesmos. E, por falta de conhecimento de si mesmo, o homem sente a tentação de pegar o que seus olhos desejam. Acã cobiçou riquezas, e escondeu o fruto roubado. O lindo brilho que seus olhos viram, o reflexo dos metais em sua retina, não poderia ser notado por ninguém. Triste do homem que precisa esconder o que faz! Por ter agido assim, Acã condenou a si e à sua família de morte por apedrejamento.

Purificado do pecado de Acã, o povo de Israel novamente ataca Hai. Desta vez eles poderiam manter os despojos e os animais da cidade conquistada. Assim como fizeram com Jericó, o rei e toda a população de Hai foi passada a fio de espada. Adonisedec, rei de Jerusalém, apavorou-se com os feitos sangrentos de Israel. Reuniu-se com os reis de Hebron, de Jarmut, de Laquis e de Eglon para um ataque a Gabaon, aliados do povo de israel. Estimulado por Javé, Josué vai em defesa de Gabaon.

"No dia em que Javé entregou os amorreus aos israelitas, Josué falou a Javé e disse na presença de Israel: 'Sol, detenha-se em Gabaon! E você, lua, no vale de Aialon!' E o sol se deteve e a lua ficou parada, até que povo se vingou dos inimigos. No Livro do Justo está escrito assim:

'O sol ficou parado no meio do céu
em um dia inteiro ficou em ocaso.
Nem antes, nem depois
houve um dia como esse,
quando Javé obedeceu à voz
de um homem.
É porque Javé lutava a favor de Israel'" (Josué, 10:12)

A noite não foi feita para guerrear. Os olhos não enxergam, nela. Que atrocidades não ocorreriam numa guerra noturna? Suspeitoso é o soldado que não dorme quando é para dormir.

Para por fim aos seus inimigos antes que anoitecesse, quando poderia receber algum ataque surpresa, o dia esperou Josué. Ele ordenou ao Sol e à lua, e elas obedeceram. Lógico, não ordenou a Javé. Javé entendeu o pedido de Josué como por ajuda para cumprir o seu dever, que era prosseguir com o estabelecimento do seu povo, e com o propósito do próprio Javé em limpar a terra sem precisar mandar outro dilúvio.

Josué e Israel tomaram muitas cidades, matou seus reis e também incontáveis pessoas comuns e soldados. Nenhum destes reis quis fazer as pazes com Israel: antes, por se sentirem ameaçados, voltaram-se contra eles. Apenas Gabaon pediu para aliar-se a eles. A terra deveria ficar limpa de reis e populações vivendo em regimes de exploração. Javé fez com que estes reis se voltassem contra Israel: "De fato, Javé tinha endurecido o coração desses reis, para guerrearem contra Israel, a fim de que fossem exterminados sem piedade e completamente destruídos" (Josué, 11:20).

Moisés iniciou o cumprimento do projeto de Javé. Mas ele foi, acima de tudo, aquele que apresentou as leis de Javé, os propósitos Dele, ao povo de Israel. Josué, por sua vez, foi um exemplar executor destes propósitos, menos titubeante quanto Moisés. Assim foram contados os reis que Josué matou:

"Rei de Jericó, um. Rei de Hai, que está junto de Betel, um. Rei de Jerusalém, um. Rei de Hebron, um. Rei de Jarmut, um. Rei de Laquis, um. Rei de Eglon, um. Rei de Gazer, um. Rei de Dabir, um. Rei de Gader, um. Rei de Horma, um. Rei de Arad, um. Rei de Lebna, um. Rei de Odolam, um. Rei de Maceda, um. Rei do Mate, um. Rei de Betel, um. Rei de Tafua, um. Rei de Ofer, um, Rei de Afec, um. Rei de Sarom, um. Rei de Merom, um. Rei de Hasor, um. Rei de Semeron Meron, um. Rei de Acsaf, um. Rei de Tanac, um. Rei de Meguido, um. Rei de Cedes, um. Rei de Jecnaam do Carmelo, um. Rei de Dor, na região de Dor, um. Rei de Doim, em Guilgal, um. Rei de Tersa, um. Ao todo, trinta e um reis." (Josué, 12:9).

"E a terra ficou em paz, sem guerra." (Josué, 11:23)

O mundo que nós conhecemos possui a lei da propriedade: o que é de uma pessoa não pode ser tocado por outras, pelo fato de ser daquela pessoa. Ninguém quer que as próprias coisas sejam pegas pelos outros. Quando se é criança, contudo, a mãe bate em nossa mão que se enche de balas, quando alguém oferece uma balinha. Não é porque um dia alguém pegará todas as balas da criança, que ela deve aprender a não encher a mão. É que ela não pode se deixar levar pela gulodice, ou pela cobiça dos olhos.

Deve-se respeitar o que é do outro não por uma questão de propriedade, mas por uma questão de que na terra não pode haver a expropriação do que é do outro, pois estas recompensam a inveja, geram lutas, levam à miséria e à escravidão. A criança sente a mão ardendo, e jamais lhe ocorre sentir raiva contra a mãe: a mãe domina o funcionamento do mundo, e a orienta a seguir bem. Tal é a sensação da criança. E ela se envergonha por ter atentado contra a justiça na distribuição das coisas e da paz.

Quando a criança cresce, a mãe deixa de ser Deus para se tornar alguém que a ensinou a seguir as orientações Dele.

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