terça-feira, 28 de junho de 2016

Sem futuro à vista


No livro de Juízes, do Antigo Testamento, tomamos conhecimento de Galaad e de Jefté. Galaad teve filhos com sua esposa, e um filho com uma prostituta. Este era Jefté. Jefté fora expulso da tribo de Galaad pelos próprios irmãos. "Você não pode participar da herança do nosso pai, porque você é filho de outra mulher." Anos depois, Jefté havia se tornado um valente guerreiro.

Aconteceu de o povo amonita atacar Israel. Os anciãos de Galaad acorreram a Jefté, para que os comandasse na guerra. Jefté relembrou-os do ódio do qual ele fora vítima. Os anciãos ofereceram-lhe a posição de chefe não apenas do exército, como de todos os habitantes de Galaad. Jefté aceitou, mas caso Javé o ajudasse: "Se Javé os entregar (os amonitas) na minha mão, então eu serei o chefe de vocês".

Jefté enviou emissários ao rei dos amonitas para perguntar o motivo do ataque. O rei justificou-se dizendo que Israel, ao vir do Egito, apoderou-se de suas terras. Jefté reenviou os emissários, para que dissessem ao rei o percurso de Israel pelo deserto. A história dizia que, quando Israel chegou a Edom, enviou emissários pedindo ao rei deste lugar que os deixassem atravessar a sua terra. Não obtiveram qualquer resposta. Israel então contornou Edom e, ao chegar na fronteira de Moab, enviou emissários ao seu rei, pedindo que os deixassem atravessar a terra. Também foram ignorados. Israel, então, seguiu viagem.

Ao chegarem à fronteira de Seon, emissários também foram enviados ao rei deste lugar. Como resposta, o rei de Seon reuniu seu exército e atacou Israel. Javé fez com que Israel o derrotassem e tomassem posse de sua terra. Após narrar este percurso, Jefté pergunta ao rei dos amonitas se ele terá coragem de tentar expulsá-los daquelas terras, dadas a eles por Javé. O rei nada responde. O espírito de Javé desce sobre Jefté e este pede para sair vitorioso daquela guerra. Em troca, Jefté promete entregar como holocausto a Javé a primeira pessoa que sair da porta de sua casa para recebê-lo depois da guerra.


Jefté derrotou o exército dos amonitas, e Israel então os dominou, tomando posse das suas vinte cidades. Jefté voltou para casa. Sai pela porta, dançando ao som dos tamborins, sua filha única. "Ai, minha filha, como sou infeliz! Você é a minha desgraça, porque eu fiz uma promessa a Javé e não posso voltar atrás". A filha apenas lhe pede que a deixe andar por dois meses pelos montes, na companhia de amigas, chorando porque morrerá virgem. Dois meses depois, a moça volta para casa, e a promessa é cumprida.

Dentre os comandantes que Israel tivera até então, seja o sacerdote Moisés ou o guerreiro Josué, nenhum fizera promessas a Javé. Pelo contrário, Javé que lhes prometeu uma terra que emanasse leite e mel. Israel deveria lutar com coragem para tomar posse da terra, e seguir com confiança e dedicação os preceitos de Javé, adorando-o unicamente, de modo a efetivamente conquistarem seus ambientes. Com isso, garantiriam sua herança, e Javé teria sua vontade também satisfeita. O propósito que estava em jogo, aqui, era o de Javé. Mas este propósito era o da libertação do homem.

Após a morte de Josué, e dos anciãos que acompanharam suas batalhas contra inimigos e para fazer Israel manter os preceitos de Javé, o povo passou a adorar os deuses dos cananeus, povo a que Israel não exterminara. Javé puniu Israel, pela traição. Ou o que houve não foi por punição divina, mas o resultado lógico de se adorar outros deuses, ou melhor, outros preceitos: Israel perdeu guerras e foi submetido ao poder de muitos reis. Após alguns anos de escravidão, Israel implorou o perdão de Javé que, então, designou um juiz para informar-lhes de qual havia sido o seu erro perante Javé.

Israel reconheceu o próprio erro, voltou a depositar confiança em Javé e livrou-se da escravidão. Contudo, com a morte de cada juiz, Israel repetia a adoração de outros deuses, a recaída na escravidão, o sofrimento e o novo pedido de perdão. Isso tornou-se um ciclo sem fim.

Jefté, portanto, encontra Israel gerações depois da promessa inicial de Javé. Gerações depois do sonho deles. Eles não possuem mais aquela promessa guiadora. Sua vida alterna quietude e sofrimento, outros deuses e Javé. Por ainda não possuírem uma tradição de rememoração do sofrimento das gerações passadas, e dos seus feitos apoiados por Javé, Israel descamba para deuses que requerem menos regras sociais e regras de comportamento para a preservação das posses dos indivíduos, inclusive das vidas deles, do que Javé requer.

Vivendo com menos regramento legal e moral, Israel acaba permitindo que ocorram relações abusivas e, no limite, fica exposto à escravização. A civilização exige regras, para que o homem não viva sob a lei do mais forte. Para escapar do sofrimento, Israel recorre a Javé. Recorre desesperadamente, sem esperança. Israel quer resolver uma situação concreta. Não há preservação de uma tradição e de preceitos com vistas a alcançar algo de bom no futuro.

Jefté não teve defesa contra a expulsão que sofreu, quando criança. Ele não teve a promessa que, por exemplo, recebeu Ismael, filho de Abrãao, quando sua mãe, Agar, serva de Abrãao, fora expulsa pela esposa dele, Sara: Javé prometeu que Ismael viria a ser o pai de uma grande nação. Como um guerreiro sem esperança, Jefté, ao ser chamado para proteger aqueles que o expulsaram, pensou apenas em ter poder sobre eles, vingar-se.

Neste momento, ele não pensou na sua frutificação, na sua filha, naquilo que levaria sua história adiante. Ele amputou o próprio braço, o braço do presente que se esticava ao futuro, para fora daquele tempo de paz sem esperança e de sofrimento humilhante. Reproduziu em sua vida o ciclo por que Israel vinha passando, de salvar-se dos grandes problemas do presente, sem cuidar-se, que significa conhecer o próprio passado e sonhar com um futuro melhor.

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