sábado, 18 de junho de 2016

Histórias são para arregalar os olhos


Na primeira chance que temos, contamos uma história. Pode ser para aconselhar. Um conselho como uma ordem, por exemplo. Ou como uma história. Walter Benjamin, no texto "O Narrador", conta de um velho que, ao leito de morte, diz aos dois filhos que se eles cavarem a terra encontrarão um tesouro. O pai morre. Os filhos passam a sempre cavar a terra. Ao ser remexida, a terra vai sendo arada e tornando-se melhor para as plantas, que começam a crescer melhores do que antes. Os rapazes fazem riqueza com os frutos que brotam dali.

Lembrei-me disso ontem, quando peguei um biscoito da sorte chinês: atrás da embalagem veio escrito para eu quebrar o biscoito e ler a sorte antes de o comer. Imediatamente pensei que aquele aviso referia-se a uma necessária pausa de reverência à boa sorte. E de fato é, pois seria uma má sorte mastigar um papel, ou engasgar com ele. Mas se apenas estivesse escrito para se tomar cuidado com o papel, não haveria história. "Quebre o biscoito, retire o papel e leia a sua sorte" é um ritual. Ouvindo o que ele diz e cumprindo-o, você imediatamente terá boa-sorte.

Crianças gostam de histórias, personagens e cenários familiares, e primeiros fatos ainda conhecidos, mas cujo desenrolar leve-as para o não familiar. Nenhuma criança quer sair de casa, mas vive imaginando como seria isso. As histórias que contamos a elas têm finais de retorno para casa. Chapeuzinho Vermelho, uma hora voltou para sua mãe. Não pela floresta, caminho que, diga-se, foi o que ela quis pegar ao ir à casa da Vovó. Branca de Neve saiu de casa para virar mulher e ir morar com o príncipe. Queremos sentir o gosto do desconhecido.

Entre adultos, conta-se histórias de doenças e assaltos. Conta-se com emoção, para impressionar a audiência. Alguns ouvintes logo retiram delas uma ordem que precisam cumprir, para escapar daqueles males, tomando o ritual ao pé da letra. Mas a maioria ouve e arregala os olhos. Elas e o narrador estão em segurança, falando sobre o que há da porta para fora.

Compartilhamos disso pelo prazer das histórias, não para tirarmos lições. As lições são as palavras das nossas mães que nos valem mais pelo som do que pelo conteúdo. Estamos em casa se estamos sob aquela frequência sonora. Vamos aonde temos vontade de ir, mas regularmente voltamos para aquele som.

As histórias dos colegas, diferentemente das das mães, não veiculam ordens. São apenas histórias sobre o dia em que ousaram espiar do lado de fora. Se os outros quiserem também espiar, se tiverem coragem, eles que se garantam. Viverão risco, viverão passos aventureiros.

Há quem, estranhamente, adote histórias como pautas de comportamento a serem seguidas ou rechaçadas. A Bíblia frequentemente é citada como textualização do que deve ser feito, e também como conjunto de orientações para a violência e o atraso. Mas a Bíblia é uma história normatizadora apenas para os judeus. Os não-judeus tomam-na como inspiração, assim como o fazem com Platão ou Machado de Assis. Estes são livros que mostram você saindo de casa para viver algo novo. E, assim, fazem-nos arregalar os olhos, e então desarregalá-los, enquanto vai ficando pensativo.

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