sexta-feira, 13 de maio de 2016

O professor e o aluno politizados



O politizado quer ter amigos. Politizado pode ser o jovem, o estudante, o professor ou o profissional. Hoje isso se refere apenas à pessoa que fala aos outros sobre o que considera seus problemas. Aquele que quer que os outros confirmem que se trata de um problema. Que os outros lhe sejam espelho, para ele assegurar-se de si mesmo. Ter certeza. Um si mesmo baseado em problemas.

Na sociedade da leveza (Sloterdijk), do desimpedimento e da falta de gravidade, eus são baseados em problemas. O direito à diferença tem sido o direito a fazer da própria diferença um problema para si mesmo, criado pelos outros com quem não se sente haver correspondência. É como se o espelho fugisse. Quero me olhar, para ser um eu, mas o outro foge, não me deixa eu me ver, não permite que eu seja. Chamo-o de machista, homofóbico, racista, fascista, etc.

Não falo, aqui, do que ameaça à vida biológica, zoé. Falo do que ameaça a capa de dignidade que erguemos para proteger a zoé. Esta é uma distinção feita por Agamben, a respeito dos registros da vida na modernidade. Qualquer poeira no meu balão, na minha plena liberdade e leveza, é uma bigorna: um sério inimigo atingindo minha dignidade, ofendendo-me profundamente, fazendo-me mergulhar nas profundezas do lugar onde falta-me vocabulário, desenvolvimento conceitual para acusar o golpe: por isso falo os fáceis "machismo", "racismo", "fascismo", etc.

Foge-me espelho da diferença que eu gostaria de viver. À minha frente, o espelho da diferença que não me deixam viver. O outro é meu malvado favorito, aquele que sempre me acompanha, cortando as minhas asas. Mantenho este espelho, pois devo ser aquele que luta contra quem não me deixa ser.

Não sei o que ser. Sou mulher, mas e daí? Tenho que sofrer um machismo. Sou professora, mas e daí, o que é isso? Falta-me o conceito. E salário. Encontro o ser professora no ser professora e politizada, ou seja, viver em greve, viver procurando racismo ou machismo em livros e em alunos.

O problema que um dia motivou a greve já se perdeu. Não sei o que de prático quero com a greve, que honra pleitear. Faço greve porque o espelho do "contra-mim" eu não retiro da minha frente. Há os que culpam os alunos. E há os que juntam-se aos alunos para chorar pelo que apanham. Toda a proteção que o professor quer, chama o aluno para também querer. Chove racismo, machismo e homofobia em cima deles.

Estudar o conceito de liberalismo, de democracia, de minorias, as histórias deles, de modo a ponderar o que, hoje, é problema ou não, e que soluções pode ter, é algo que não é feito. Não se estuda, não se quer partir do que se sabe e se é para o que não se sabe e não se é. Não. Não se pode ser professor ou aluno, ter o que sabe e o que não-sabe-mas-saberá, encarando a dureza que é o não-saber. O não-saber é escamoteado, pois qualquer saber vale igual. E qualquer tentativa de ensinar ao aluno, apontar seu não-saber, é oprimi-lo. Ele é rico na sua miséria. E será bom aluno, se for aluno-militante. De um professor-militante.

Oxalá os estudantes que estão a fazer greves em suas escolas queiram que seus problemas sejam rapidamente resolvidos, e que eles possam logo voltar a serem alunos. Para isso, é preciso enxergar a greve como uma ação eventualmente necessária para que seja possível existirem alunos e professores. Só alunos e professores. Se conseguirem ser isso, está ótimo.

Colocar a politização como estado permanente, pelo contrário, é ter uma relação de animosidade com o mundo. É considerar a si mesmo como já tendo nascido pleno de saber, à medida em que o indivíduo crescido, porém chorão, é pleno na queixa e no se sentir "incompreendido". É não desgrudar do espelho em que se vê um perseguidor.

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