domingo, 1 de maio de 2016

O mundo não existe sem verdades absolutas


Pedro Álvares descobriu o Brasil. É preciso obedecer ao pai e à mãe. Comida tem que ter arroz e feijão. Ayrton Senna foi um herói brasileiro. Roberto Carlos é rei.

Estas e outras afirmações são apresentadas como verdades dogmáticas. Escutamo-las desde sempre, dos nossos pais, professores e tv, sem que eles nos dissessem a razão delas. São tão absolutas que nos parece estranho quando alguém as recusa. Conversando com esse alguém, ouvimos outros pontos de vista. Também dizemos o nosso próprio ponto de vista que, não raro, também nega aqueles absolutos. Mas, se um e.t. nos visitasse e quisesse conhecer o Brasil, certamente o levaríamos para comer uma feijoada, ouvindo Roberto Carlos e só dando uma pausa no som para escutar a hora da bandeirada para o "Ayrton Senna do Brasil!!!", gritado pelo Galvão.

Aprendemos essas verdades dogmáticas e nelas depositamos nossa fé e algo básico da nossa identidade. Falo em uma identidade que não é a do eu no sentido das ideias que colecionamos e que entendemos como formadoras de algo próprio, meu. Falo de um eu que é próximo ao "eu quero e vou fazer isso". Este eu é social antes de ser meu.

Todos quiseram ser o Michael Jackson do "Bad". Eu quis ser. Michael, sendo apresentado em todo canto como o Rei do Pop, era o meu herói. Através dele, eu me achava maneiro. Eu me via como um eu. Sloterdijk explica no "Estranhamento do Mundo" sobre esse eu entusiasmado por heróis. Quando eu era adolescente, começaram a dizer que Michael abusava de crianças. Mas este era outro Michael. O meu herói continuava o mesmo, e uma dançadinha a que ainda hoje me permito é autorizada por Ele.

Hoje em dia muitos pais e professores acham que, ao dizerem uma verdade a uma criança, devem explicar as razões. Desde cedo a criança é ensinada a argumentar e a escolher. É como se ela devesse ser sujeito, desde o início da vida. A verdade pelo consenso estimula o raciocínio. Mas a verdade absoluta é um espaço de segurança e conforto para uma criança, e a esperança de que ela sempre o terá permite que ela se lance para explorações. Essa fé básica permitirá o entendimento e talvez a crítica dos seus próprios pressupostos.

O Brasil já possuía os índios, e os espanhóis já haviam demarcado a América do Sul antes da chegada de Cabral. E a vinda dele não foi por um acaso, mas por interesses econômicos e políticos.

Nem sempre é possível fazer os que os pais mandam. Chega uma hora na vida em que a vontade de fazer o que se quer é imbatível, e se vai com tudo.

Arroz e feijão, dizem os especialistas, é uma combinação equilibrada e que provê grande parte da nutrição de que precisamos. Mas o jovem pode fazer o seu miojo, fritar a sua linguiça com cebola e dar um tempo no feijão com arroz dos pais.

O motorista de ônibus do Rio dirige melhor do que o Senna. Ele não aguentaria o tranco. Mas, vai, ele foi piloto talentoso, vencedor e carismático. O Brasil precisa de heróis, heróis que dêem bons exemplos e que não morram cedo.

Roberto Carlos não é um ótimo cantor, mas é um excelente artista. Suas músicas ecoam em nossos ouvidos, mais do que as de Agnaldo Rayol. Temos uma bagagem cultural básica que forma a nossa sensibilidade, coisas que ouvimos desde cedo e que até falam conosco, quando pensamos estar sozinhos. Coisas que nos fazem sentir em casa.

É preciso que a nossa formação escolar tenha Homero, Platão e a Bíblia. Eles nos fazem entender a cultura ocidental. Quando advogo o ensino da Bíblia nas escolas, sempre me dizem que a Igreja perseguiu e matou muita gente. Bem, se devemos começar com verdades absolutas, para que tenhamos material para o entendimento e a crítica delas, e do mundo, quando formos jovens, o conhecimento deve ser aprendido antes da crítica ao conhecimento. A Bíblia deve ser ensinada, para que um dia se possa falar algo sobre ela, contra ou a favor.

Quando a pessoa coloca a crítica antes do conhecimento, dizendo que a Bíblia ou outro livro servem à dominação política e cultural, ela está se comportando como um jovem que não foi uma criança que aprendeu a ter fé em heróis, livros sagrados e histórias mágicas. É um jovem que pára no saber que a crítica lhe dá, e não avança, pois lhe faltou o saber básico.

Uma criança que teve aula de filosofia, de religião e de poesia, que aprendeu a ouvir histórias diferentes e a distinguir gêneros literários, passará pelo período da crítica e se tornará um adulto. E o que é um adulto? É alguém que precisa saber muitas coisas? Sim. Mas em igual medida é alguém que precisa ter esperança, acreditar no que ainda não existe e deveria existir. É alguém que sabe sobre o que deveria ser e o que deveria ser considerado verdadeiro. Alguém que entenda ética e moral e que, portanto, poderá criticar a ciência. Alguém com chances de ser alguém melhor do que ele mesmo.

O básico precisa voltar a ser visto como obrigatório.


P.s.: Sobre a obrigatoriedade do que é básico, veja este vídeo: https://www.facebook.com/ghiraldelli.filosofia/videos/vb.180372365332948/869893103047534/?type=2&theater

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