sexta-feira, 27 de maio de 2016

Então, barbarizar o estuprador?



Ao redor da mesa de café da empresa fala-se em linchamento e pena de morte para os trinta estupradores. Um pouco mais de informação permite que alguém diga que a solução é a castração química. A tv está ligada no jornal, onde aparece o secretário de segurança garantindo que os responsáveis serão investigados, identificados e punidos, respondendo à sociedade.

Os colegas de trabalho escutam na tv o assunto sobre o qual dirão coisas aos seus pares. A tv quer falar à sociedade. A fala de um colega ao outro é entre integrantes da sociedade. O discurso "para a sociedade" é pobre, pão pão queijo queijo. E a pobreza passa também pela ideia de que o problema do estupro é simplesmente algo que possa ser solucionado, no sentido de apagado.

O maior número de casos de estupro é perpetrado por conhecidos da vítima. O interesse é por dominar o outro, tirar-lhe o poder, e também servir-se à vontade dele, para se sentir com poder. Já que nossa vida é avaliada pelo estar respirando e com alguma quantidade de energia para gastar, e aos jovens pobres existe a possibilidade de haver uma falta precoce destas coisas, então instaura-se a lei e a moral do mais forte, baseadas na humilhação do mais fraco.

Há, portanto, em torno de uma cena de estupro mais a ser falado do que a perversidade do estuprador e a necessidade de puni-lo. Sim, é claro que o mal existe, e ele não pode ser reduzido ao rebatimento dos fatores sócio-econômicos sobre a subjetividade. Mas o estupro, no conjunto das ações de dominação de um indivíduo sobre o outro, podem ter aquela explicação que lancei anteriormente.

Também é possível apontarmos a falta de boa escola, como uma das causas do estupro. A educação é, entre outras coisas, uma educação da forma como o homem lida com seus próprios impulsos sexuais e agressivos. E sobre esta educação depositam-se esperanças liberais para o indivíduo, ou seja, que ele trabalhe, tenha família, cumpra as leis e tenha garantias legais. A falta de educação disciplinadora dos impulsos, e que aponte para um ideal liberal, deixa-nos à mercê da barbárie individual e do Estado.

Esta falta de escola, e dos seus efeitos, é observada tanto na cena de estupro, como ao redor dela, no desejo de punição violenta do estuprador. Um respingo desta falta é observada na fala do secretário de segurança, quando ele, apesar de garantir uma resposta legalista ao estupro, coloca-se para dar uma resposta à sociedade. É como se a sociedade cobrasse do Estado, da polícia, uma rápida ação, para que ela mesma não se torne bárbara, para que seu desejo vingativo não cresça.

A criança não sabe lidar com o monstruoso, desespera-se. Não sabe o que pensar e o que fazer, além de gritar e correr. Aqueles que se põem a linchar quem comete estupro nada mais são do que crianças que, ao invés de fugirem do monstro e gritarem para os outros acudirem, resolveram elas mesmas serem os que acodem. Mas, como são adultos, o espancamento que promovem é um crime. A sociedade não suporta que eles levem adiante a barbárie.

O discurso "para o social", ou o discurso para a massa, é movimentado por indivíduos que não querem ou não conseguem dizer algo surgido a partir de uma reflexão. Fala-se de forma pobre sobre o estupro, e se faz o mesmo em relação à política, à cultura, etc. As próprias ideias sobre si mesmo também ficam pobres. Não se sabe explicar muito bem o que se está sentindo, a complexidade disto. O próprio dia-a-dia deste indivíduo, ou as notícias que ele recebe, caem em sua cabeça sem recursos para entender e saber o que fazer. Então ele responde a cenas como esta, do estupro, como se estivesse com uma batata quente na mão, querendo que algo rapidamente seja feito. E acaba fazendo mais mal ainda.

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