segunda-feira, 23 de maio de 2016

Aquiles de brônzea face



Aquiles matou muitos, em batalha. Deu muitas vitórias aos gregos. Agamêmnon, o líder deste exército, ia granjeando territórios. O pai de uma das escravas do líder, Crises, um sacerdote de Apolo, rezou ao deus pedindo a filha de volta. Apolo então matou muitos dentre os comandados de Agamêmnon, que então devolveu a filha do sacerdote. Contrariado, o líder pegou a escrava de Aquiles, uma troiana de nome Briseida. Aquiles, já insatisfeito por muito vencer e pouco receber, e sem ter qualquer motivo pessoal para combater os troianos, agora, tendo Briseida retirada de si, feriu-se em seu orgulho e retirou-se por completo da guerra.

Aquiles estava fadado a uma vida curta, porém gloriosa, e o líder dos gregos o aviltara. Chorou à sua mãe, a deusa Tétis que, por sua vez, fez Zeus garantir que os troianos esmagariam os gregos, e os fariam clamar por Aquiles e repudiar Agamêmnon. Assim foi feito. Os gregos morriam aos montes, já encurralados em suas próprias embarcações. Chamavam por Aquiles, inclusive a pedido de Agamêmnon.

O herói era superior a todos os guerreiros, a todo o exército. Nada faria para reverter a batalha a favor de um rei que se aproveitou dele e dos outros guerreiros, e ainda o humilhou. Em seu lugar, Aquiles enviou seu melhor amigo e seu amante, Pátroclo, vestido de suas roupas. Os inimigos sofreram um duro golpe só de verem a armadura de Aquiles.

O jovem Pátroclo matou muitos, no estilo de luta de Aquiles. Heitor, o melhor dos troianos, encontrou-o. Pôs fim à sua vida. Despiu-o das roupas e vestiu-as nele mesmo. Heitor era filho do rei de Tróia, Príamo. Marido de Andrômaca e pai de Astíanax. Comandante impecável. Glorificado por todos, de uma glória derivada dessas funções de pai, marido, filho, príncipe e comandante. Mas também era carrasco de seus inimigos. Guerreiro temível. Matava à farta os seus inimigos.

Enquanto guerreiro, Heitor ansiava pelo namoro com Aquiles. Sim, a comprida e pesada lança, saída de uma mão, voava e penetrava um corpo. Um coito entre homens. Heitor não queria ser morto por uma lança pelas costas, como se fosse uma mulher. Ele queria olhar seu terrível adversário de frente. Era um homem namorando um homem.

Aquiles estava no destino de Heitor. A mulher do troiano teve a família morta pelo herói grego. Fora por ele escravizada. Muitos do seu povo foram enviados ao Hades, pelas mãos de Aquiles. Heitor era mais fraco do que ele, mas precisava matá-lo. Ou precisava se entregar, dar tudo de si até que não restasse nada e seus olhos escurecessem. De acordo com a lealdade dos guerreiros, ele sabia que, caso fosse morto, teria o corpo devolvido ao pai. Seria respeitado pelo adversário. A lealdade não se quebrava com a morte, pois os guerreiros as transcendiam pela glória geradora de mútua atração e admiração.

Heitor estava no destino de Aquiles. Matou o melhor amigo dele. Patróclo amava Aquiles, queria ser como ele. Heitor tomou-lhe as roupas, tomou o seu lugar no fazer-se de Aquiles. Heitor queria ser o verdadeiro amante do carniceiro glorioso. Queria ser o único a poder vestir as roupas do ídolo, tal como uma filha veste as roupas da mãe, e se orgulha e se excita. E a odeia, por não ser ela.

Aquiles encontrava-se em um poço de sofrimento, por causa de Pátroclo, até estar diante de Heitor. Um leão, diante de um outro leão, que tenha matado a sua família, tem a própria ira passando de ódio remoído a descarga de adrenalina e aceleração de raciocínio, para fazer o embate mais feroz e bonito de todos.

Aquiles mata Heitor, com beleza. Após este momento, volta a ser leão ferido. Se Heitor havia se vestido com as roupas de Aquiles, uma vez morto teria a própria roupa de Heitor retirada dele. Não era um familiar amado ou um nobre que estava amarrado à biga de Aquiles. À medida em que os cavalos corriam, seu rosto, virado para baixo, arrastava-se.

Aquiles queria que as carnes de Heitor se espalhassem por sua própria terra, que sua face se desfizesse no chão de Tróia. Isso poria um fim ao heroísmo familiar e de combatente leal, de Heitor. Só existiria o heroísmo bestial de Aquiles. Os deuses, porém, protegem a face de Heitor do desaparecimento. Mesmo varrendo o solo, ela permanecia intocável.



P.s.: Este texto é um aquecimento para o Sarau Ilíada, Leitura do Canto I. Curta a fanpage: https://www.facebook.com/sarauiliada/?fref=ts

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