quarta-feira, 6 de abril de 2016

Uma leitura livre sobre o Lula



Assisti a uma entrevista da jurista Janaína Paschoal ao programa de rádio do Pânico (https://www.youtube.com/watch?v=QLxWifXFIV0). Era o dia 8 de março, e Janaína havia acabado de entregar um novo pedido de impeachment da presidente Dilma ao Congresso, pedido este redigido por ela conjuntamente com os juristas Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo. Até então, Janaína ainda não havia recebido a atenção da mídia, atenção que veio a receber quando foi espalhado na internet um vídeo com o depoimento dela na Comissão do Impeachment (https://www.youtube.com/watch?v=RQJiJuUvSuw&nohtml5=False).

Na entrevista para o Pânico, a doutora em direito pela USP e professora desta instituição, falou as justificativas legais do pedido. Falou com clareza e mostrou ter domínio do saber que sustenta suas decisões. Não isentou-se, contudo, de ter emoção. Em um outro vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=xif8mqLG6gc&nohtml5=False), divulgado há dois dias, Janaína fala não em um programa de rádio ou tv, e não na Comissão, mas em um palanque. Grita, agita os cabelos, enlouquece para falar de sua indignação e de seus sonhos para o Brasil. É a mesma Janaína do discurso técnico, mas que não abandona seu lado timótico.

O thymos, na psicologia que Platão apresenta principalmente na República, é a parte da alma responsável pelo homem sentir uma forte dor no peito quando se sente injustiçado e que, para descarregar essa energia, o faz lançar-se à ação restauradora da justiça. O indivíduo movido pelo thymos está enlouquecido, pensando a partir da ira. Mas trata-se de uma ira justa, cabível diante do que o fez se sentir como tendo sofrido um ataque injusto, uma afronta. Este indivíduo sentir-se-á orgulhoso de ter se alarmado pelo dano sofrido, de ter batalhado para repor a justiça. Ele dirá, como Aquiles: "eu sou quem venceu centenas de homens em combate, dando vantagem aos gregos na guerra contra os troianos. E eu sou aquele a quem o próprio general desonrou, e que fez esse general arrepender-se disso". Diz como Janaína: "vamos matar a cobra que manda no Brasil, com uma paulada bem na cabeça." Ela sabe que está fazendo história.

No palanque, Janaína falou que "devemos pensar de forma livre". Ghiraldelli(https://www.facebook.com/ghiraldelli.filosofia/videos?fref=photo Vídeo "Janaína Paschoal decreta o fim da prisão de almas e mentes") aponta que esta frase é bem dita aos professores universitários, devendo eles não doutrinarem seus alunos, seja à direita ou à esquerda, mas abrirem-se aos livros. Abrir-se a um livro é deixar de lado os próprios saberes, e estar aberto para receber um autor, de modo a sentir toda a novidade do que ele está falando. Ou então sentir toda a bobagem do que há ali, e jogar o livro fora com uma careta. Abrir-se a um livro é o leitor lembrar-se das suas próprias experiências, acordadas pelo texto. É trazê-las à tona para entendê-las de uma outra forma, reparando em elementos que não tinha reparado antes, e conversando com as interpretações que já tinha dado a elas.

Nossa psicologia esqueceu-se do thymos, retirando o lugar próprio da ira. Identifica este sentimento como uma paixão que turva a razão. O indivíduo que sente um golpe deve calmamente reagir indo para casa, ligando para o advogado e entrando com um processo. Viver o thymos, diferentemente, é não se furtar de sentir o que as circunstâncias provocam. Em mais uma outra entrevista, desta vez de alguns anos atrás, para a Fátima Bernardes (https://www.youtube.com/watch?v=kGZnqb0V34M), Janaína fala sobre redução da maioridade penal. Seu discurso, como convém a um programa de tv, foi abertamente técnico e emocionado (na Comissão de Impeachment a técnica dela foi fácil de se ver, mas a forma dela pensar só é possível por que nela também há emoção). Em um momento ela falou que já existe punição a menores infratores, em alguns casos até mais severa do que para adultos infratores. Esta foi uma demonstração do aspecto técnico da fala dela. Então um outro entrevistado discordou dela. Era um pai que teve o filho morto por alguém menor de idade. Janaína volta a dizer que as os menores infratores ficam em condições degradantes, ou seja, o Estado não realiza uma punição dentro dos limites dos direitos da pessoa presa. E que abaixar a maioridade penal jogaria o jovem para a convivência com bandidos perigosos, fazendo-o perder-se no crime e piorando a criminalidade em geral. Estas falas são exemplos do aspecto experiencial da fala de Janaína.

Pensar livremente é tanto abrir-se para os livros como abrir-se para as próprias experiências. Janaína não pode aceitar a redução da maioridade penal por motivos tanto racionais quanto vivenciais. Essas coisas não se separam, exceto para a psicologia que nos acostumamos a adotar, que quer esconder o próprio thymos.

Pretendemos lidar com o que nos acontece de forma técnica, usando leituras como fornecedoras de teorias-objeto adequadas a determinadas situações, a que também queremos manipular como objetos. Na psicologia de Janaína a paixão, a emoção que a possui como uma entidade, a deixa super atenta aos jovens que viu apodrecendo na prisão, sem deixar de ver o pai que teve o filho assassinado. Sente a dor de ambos, e fala em punição para o jovem sem, contudo, que dele também seja feito um cadáver. A ira de Janaína a faz pensar melhor, atentar-se às diferentes experiências que lhe chegam, trazendo a teoria que visa fazer a justiça para um uso realmente justo, e não justo só com um dos lados dessa história. Ela não dormiria em paz se tivesse jogado um jovem num poço de leões, enquanto todos parecem querer fazer isso. Ela não vai deixar o Brasil ser uma República das Serpentes, enquanto os poderosos serpenteiam cinicamente.

Santo Agostinho fala que ao longo da nossa vida acumulamos explicações sobre as coisas, e passamos a achar que sabemos tudo delas. Caímos no erro, inclusive, de achar que nossa razão vem de nós mesmos. Esta soberba deixa-nos distantes do experienciar as coisas. A teoria poderia aproximar-nos delas, fazer-nos curti-las mais, mas a utilizamos como um instrumento de domínio. Agostinho diz para lembrar-nos que tanto as coisas que julgamos conhecer, quanto a nossa própria razão, vêm de Deus. E que devemos levar até Ele a nossa razão, para que ela seja limpa dos pensamentos altivos, curiosidades e luxúrias acumuladas, que estão turvando nossa capacidade de ver. Estar aberto a um livro ou ao que nos acontece é vê-los sem as barreiras da altivez de quem a priori se acha sabedor, da curiosidade vã de quem sempre quer estar "por dentro das novidades", mas nunca se satisfaz nem sente nada, e de agir como se fosse mais importante a glória de ter certa profissão ou diploma do que exercê-los de forma sábia e sensível. Tem bom orgulho quem é sábio e sensível.

O conselho de Agostinho é para que não deixemos as paixões do espírito, ligado ao corpo e ao mundo através dos sentidos, turvarem nossa alma racional. Mas tomo-o, aqui, para dizer que a limpeza que ele diz que Deus faz na alma do homem soberbo, deixando-a aberta para conhecer a Verdade de tudo, que é a pertinência delas Nele, pode significar estar atento à totalidade de um ato ou de algo. Lula fez políticas sociais. Mas ele roubou. Não há porque ver uma verdade e fechar os olhos para a outra. Ele deve ser reconhecido como um presidente que fez algo pelos pobres, mas deve ser investigado e punido pelos crimes que cometeu. Deve-se reconhecer e vibrar pelas pessoas que puderam consumir mais, e aguçar o olhar e ficar puto pelos desvios de dinheiro e compra de apoio político. Isto é estar aberto a Lula, mais do que ele mesmo e o militante dele estão. É aceitar as boas políticas do primeiro mandato dele. E é colocá-lo atrás das grades por causa do Mensalão, do Petrolão, etc etc.

10 comentários:

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    1. Recomendo que você coma pão com requeijão. Viu? Dito assim, dá na mesma do que você disse.

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    2. Hahaha ! É preciso rechear com mortadela esse pão aí !

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  2. Petista detectado . Mandou estudar, hehe . Deve ter pensado sobre o "perfil" de Lula .

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Sou psicanalista e essa leitura não me representa, tampouco representa a nossa categoria profissional ou qualquer outra instituição psicanalítica pela qual já passei. essa matéria está defendendo o teatro do golpe da direita. E não sei que psicanálise é essa sua que usa da análise individual de uma pessoa para justificar o que esse ato representa de atraso político para o povo. chega a ser intelectualmente desonesto.

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    1. Pelo visto o psicanalista sem nome acima representa toda a categoria profissional ou qualquer outra instituição psicanalítica pela qual já passou. Só assim para dizer que o ótimo texto do Thiago não representa essas instituições.

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    2. Esse texto está mais para filosofia. E é um comentário sobre as nossas reações aos fatos, usando momentos da Janaína. Não estou falando pela psicanálise nem, também, pela filosofia. Eu poderia usar a primeira para escrever sobre o que eu quiser. E sem qualquer compromisso com qualquer pessoa, além de querer irritá-la. É ótimo quando as pessoas vêm aqui e estrebucham, Anônima, por que sei que falei algo com muito sentido, que você prefere até negar, e algo novo, ou você não teria se incomodado.

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  5. Psicanálise e filosofia de Platão, Agostinho, Deus...? Thiago, penso ter compreendido o que pretendia expressar e lhe pergunto: após alguns séculos de racionalismo, iluminismo, alto desenvolvimento das ciências sociais, muitas vezes em medida comparável ao das ciências da natureza, tendo hoje até mesmo teses como a do Dr. Antônio Damásio demonstrando que "quem pensam são os neurônios" e não uma alma ou espécie de razão soberana, tese que vem muito de encontro ao que diriam Marx, Hume, Nietzche, Freud mesmo Jung ou Lacan não seria interessante uma visão mais moderna desta situação? Uma visão que não olhasse a corrupção com olhos Kantianos (ou Agostinianos), a exemplo? Sinceramente, utilizar o Thymos platônico para falar de afetos, desconsiderando Spinoza e Nietzche? Desconsiderando o que a psicanálise fala sobre os afetos? Sinceramente Thiago, parece-me uma leitura nada livre. Mas respeito sua visão, apesar da discordância em todos os pontos.

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    1. Será que você sabe qual é a proposta dele na filosofia? Não, prefere dar uma de neobobo.

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