quinta-feira, 7 de abril de 2016

"Sou livre x sou manipulado": uma preocupação que não vale nada


Quando jovem, Agostinho de Hipona lia a bíblia. Reconhecia-se como criatura de Deus, ao lado do restante da criação. Amava ao seu criador, por Ele ter feito as coisas amadas por Agostinho, inclusive ele mesmo. No entanto, nas Confissões, Agostinho declara ter demorado muito para entregar-se a Deus, amar a ele mais do que às coisas do mundo. Ou seja, demorou para ele deixar sua alma descansar no criador, ao invés de viver preocupado se conseguiria ter honra, dinheiro e casar-se. Destas, a preocupação com o matrimônio era a maior. Conheceu uma jovem, que lhe foi prometida. Ele sentia que o celibato era uma decisão do homem, e que se lhe era difícil mantê-lo, a culpa era dele mesmo. Agostinho não pensava que o celibato deveria ser algo a que Deus ajudasse ao homem manter e que, portanto, era Nele que deveria buscar forças. Buscar forças apenas em si mesmo, além de não dar em bom resultado, era soberba, crer-se maior do que se é.

A Sabedoria e a força para, por exemplo, manter-se celibatário, o homem recebia do Criador. Elas não vinham do próprio homem, ou daqueles com que ele se relaciona. O homem, num erro que o faz afastar-se do que considera a verdadeira sabedoria, força e vontade, preocupa-se com o que ele pode vir a saber apenas em livros, discursos, como se estes bastassem a si mesmos, e com a direção que pode dar à própria vontade. Preocupa-se em "pensar por si mesmo" e em "decidir por si mesmo", e reclama quando um pai ou o telejornal falam, unidirecionalmente, para ele. Estas instâncias de poder assemelham-se, para quem está no afã por ser autônomo e com medo de ser autômato. O cara da esquina, falando, não incomoda tanto, é logo esquecido.

O jovem, de qualquer idade, busca afirmar-se a si mesmo se antepondo às figuras que falam sem ouvir. Ele quer deliberar sobre si mesmo, sem nenhum vínculo de filiação. Aceita os vínculos fraternais, com pessoas e mídias de igual poder com os dele, no falar e ouvir. Daí o sucesso das redes sociais, onde toda recepção de informação inclui o ato de comentar e compartilhar. Todo o investimento que o jovem faz nessa auto-afirmação através do pensamento e da deliberação é ataque a quem lhe fala sem ouvir, parecendo-lhe querer pensar e deliberar sobre ele. O grito por manipulação vem junto desta auto-afirmação, ou melhor, é um trampolim para ela. O jovem reclama da tv, para abrir uma brecha para ele mesmo falar. Mas, de tanto fazer isso com professores, os pais e a própria tv, quando consegue o espaço pra falar, nada sai da sua boca.

Falta a ele a lição de Agostinho, de ouvir diversos discursos, e saber que nenhum deles é a Verdade. Esta Verdade é que atrai o amor dele, numa postura que o faz ler e escutar qualquer pessoa, como conteúdos a serem considerados e dialogados com outros, mas como coisas que deixam de existir. De permanente só há a Verdade de Deus, que é o fato de ele ter criado a totalidade das coisas. Isto pode ser lido por nós como um conselho por não darmos importância vital ao que morre, incluindo a nossa própria identidade e vida. Importante é a serenidade de quem se volta ao que é imortal que, para o que o homem pode alcançar, são as certezas acolhedoras com todas as verdades, generosas com todas as pessoas. Os ideais combinam bem com essas certezas. As atribulações do jovem Agostinho, e de qualquer jovem, incluindo o medo à manipulação e a vontade de manipular-se a si mesmo, é sofrimento que não resiste a um sopro do tempo.

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