sábado, 12 de março de 2016

Presidentes são desonestos. Lula, jamais.



Em relação ao negro, o imaginário social marcou traços e comportamentos dele como referindo-se a uma inferioridade intelectual e a uma moralidade desconfiável. A sociedade utilizou estes estigmas para responder prontamente a todo negro que entrasse em um shopping, andasse numa rua à noite ou se pusesse atrás de um volante. Respostas prontas, ou seja, dadas sem que se faça perguntas e se lhe elabore respostas, são pré-conceituosas.

Uma vez um homem disse a um negro que ele não era culpado pela exclusão que sofria. O negro é um indivíduo como os outros e, como tal, tem direitos. Como ser humano, ele merece estudar, trabalhar, consumir, etc. Ele não é alguém que não merece essas coisas. Ele as merece. Essa é a ideia que um dia lhe foi apresentada.

Um movimento pelos direitos do negro fala à sociedade que os negros não são imerecedores de tudo aquilo com que o ser humano pode desejar. Eles também são seres humanos, portanto merecedores do que é mais desejável. A partir disso, todo os não-negros são olhados (e se olham) como pessoas que, intencionalmente ou não, podem acabar tratando os negros como imerecedores dessas coisas.

Um menino negro que, estando desanimado na escola, diz que não merece passar de ano. Chega alguém e diz que sim, ele merece, mas que precisa batalhar, pois a "vida do negro não é fácil". Exceto nos esportes e na música, o negro não ingressa em pé de igualdade com o branco. Encontra dificuldades e, lógico, desanima. Imediatamente, então, chegam várias vozes dizendo que ele precisa se reanimar para, quem sabe, vencer. Isso é bom. Mas em uma situação de competição em que o negro está em iguais condições do que o branco, e o negro esmorece, desanima, apresentamos a ele aquela ideia de que do negro foi histórica e socialmente feito um não merecedor, e que ele sempre deve se ver como merecedor.

O sentido do merecedor é aplicado, então, tanto em situações de inferiorização, que precisam mesmo ser revertidas, tanto em situações de igualdade, em que o indivíduo negro apenas acha que não merece vencer, pois tem consciência de que não se preparou como devia, e por vontade própria.

Há uns anos vem ocorrendo essa mudança de sentido de não merecedor para merecedor, não apenas com os negros, mas com o pobre, o gay e outras minorias.

Com base nisso, vamos imaginar a seguinte história psicológica para o Lula: trabalhando como metalúrgico, ele ouvia seus companheiros dizendo que aquela vida era uma merda. E olha o carro novo do patrão, com uma baita loura! Havia sindicatos operários, com comícios lotados de gente atenta e esperançosa. Lula subiu no palco para dizer aos seus companheiros a lição que já havia aprendido: o trabalhador é o verdadeiro dono da fábrica, então é o verdadeiro dono da economia, então é o verdadeiro dono do Brasil. Ele tem o direito de ganhar mais, de ter melhores condições de trabalho e de comprar o que está na tv.

Sem deixar de ser operário, Lula deu a si mesmo o direito especial de ser um líder de operários. E um bom líder, aquele que apontava para "benefícios" nas vidas deles. Lula se via como merecedor de recompensas. Após caminhar um bocado na política, Lula concorreu a eleições presidenciais, e perdeu. O seu adversário obviamente havia se aproveitado do preconceito existente contra o nordestino analfabeto. Mesmo tendo concorrido ao cargo de maior poder, no país, Lula ainda era um pobre. As pessoas ainda não estavam isentas de preconceito, para aceitá-lo.

Mas isto mudou em 2002, quando a população enfim soube ver o Lula sem o véu do preconceito. Ele era corajoso, comprometido com o povo, e honesto. Este lado da sua persona pública Lula explorava alternando com "nordestino operário analfabeto", o pobre, enfim, para contar a própria história de pobre aguerrido, de modo que o povo se sentisse merecedor de ter benefícios em suas vidas. E que a oposição caísse no lugar da personagem preconceituosa.

Recentemente foi divulgada uma matéria no Jornal Nacional desta época de Lula no cargo de presidente (https://www.youtube.com/watch?v=72V6e0aiSAM). Um homem que trabalhava como faxineiro encontrou uma bolsa com dez mil dólares. Devolveu o dinheiro, pedindo apenas para encontrar o presidente. O "nordestino operário analfabeto" do Palácio do Planalto era igual a ele, não se diferenciando nem por ser presidente. Lula na verdade via esse cargo com desdém, um período em que ele se vestiu de burguês, andou no carro do patrão. O que importava para o Lula era falar ao maior número de pessoas possível que elas eram merecedoras, e que os ricos lhes faziam uma oposição natural. Esse drama era contado como sendo o da população, e que encontrava uma síntese perfeita no próprio Lula.

No encontro com o faxineiro, Lula perguntou se ele conhecia outras pessoas que fariam o mesmo que ele fez, de devolver o dinheiro encontrado. Sim, foi a resposta. O faxineiro completou dizendo considerar desonestidade não devolver o dinheiro. Lula o corrigiu, dizendo que se o dinheiro está sem dono, e trará benefícios para a vida de quem o encontrou, então retê-lo não era desonestidade.

O faxineiro ganha pouco, num trabalho que ele termina todos os dias a uma determinada hora, e sai para retornar à própria casa. O trabalho não é a sua casa, em casa ele é o Manuel, não o faxineiro. E o Manuel usa o dinheiro que o faxineiro ganha, sem nenhum problema, pois o faxineiro é uma persona do próprio Manuel. Agora Lula era ele mesmo em todos os lugares, seja nos compromissos, seja em casa, com Dona Marisa. Sempre o líder dos pobres. Sempre o "nordestino operário analfabeto" e, como tal, eternamente precisando trazer benefícios para a própria vida.

Apesar de ocupar o cargo de presidente, dinheiro sempre faltava a Lula. Tal qual um bulímico. Ele mantinha o radar alerta para o que pudesse beneficiá-lo. Fazia obras sociais, proferia discursos motivadores aos pobres, então fazia jus ao dinheiro público que pudesse pegar. O valor do seu salário e o fato do dinheiro da Petrobrás ser da própria empresa pública eram meras formalidades burguesas, bobagens abstratas. Ele não tinha que se orientar por esses parâmetros, e tinha direito, enquanto líder, a pegar o quisesse. E enquanto pobre, a pegar o que necessitasse.

Alguns anos após o impeachment de Collor, Lula foi ao Programa Livre, que o Serginho Groisman tinha no SBT (https://www.youtube.com/watch?v=iJqvleZhP2E). Em um momento, ele conta que na campanha à presidência do ano de 89, acusou Collor de abuso de poder econômico nos cargos públicos que ocupou até então. Lula prossegue a entrevista dizendo que três anos depois, aquele comportamento de Collor foi deflagrado no cargo de presidente. Lula pediu que as pessoas não se esquecessem que, da mesma forma que haviam eleito um presidente, também haviam retirado-o do poder.

Esse vídeo me fez ver alguém se sentindo prestes a entrar num ninho de cobras. Por mais que ele fosse corajoso, havia receio em seus olhos. Mas, hoje, podemos dizer que, embora ele não seja mais presidente do Brasil, caso ele seja preso, simbolicamente isso significaria a sua derrocada enquanto presidente.

Mas eu diria, ainda, uma outra coisa: na entrevista, Lula referiu-se a presidentes. Ele mesmo não se viu como presidente, quando ocupou este cargo. Em suas ações, ele comportou-se como o próprio Brasil, Lula-Brasil, discursando e agindo com pouco decoro. Os desvios de dinheiro da Petrobrás, portanto, de forma alguma foram desonestidade. Para ele, o dinheiro não era de ninguém, e podia beneficiar a sua vida. Errados são os que hoje querem prendê-lo.

Aquele vaticínio da entrevista não se aplica a ele: presidentes desonestos devem ser alvo da indignação popular, perderem o cargo e serem investigados pela polícia. Ele foi outra coisa que não um presidente. Algo de grandioso, como que uma entidade espiritual. Isso é o que ele pensa, e também os que o vêem como líder a quem se deve sacrifícios e obediência.

A respeito dele chegaram a dizer: "rouba mas faz". Pegar dinheiro público não é desonesto, se você é o Brasil.

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