quinta-feira, 10 de março de 2016

"Lula, a cara do povo"


Qual o político que o brasileiro conhece? O Lula. De onde veio o Bolsonaro? O Cunha? O Aécio? Ninguém pergunta. Ninguém apresentou-os às pessoas. Sobre a Dilma a propaganda para elegê-la só falou da sua participação na militância contra a ditadura e a prisão que sofreu. Falou o necessário para aproximar, aos olhos do eleitorado, uma burguesa da garra do metalúrgico. Mas quem é Dilma?

Todos falam sobre o Lula. Um ex-presidente que tem muitos simpatizantes. Um ex-presidente que, agora, está sob investigação da Polícia Federal. Um político que sempre enfrentou adversários. Um político que sempre teve não simpatizantes. Um ex-presidente que, desde que o governo do PT começou a ser muito criticado, tem defensores. Um político que, pela possibilidade de ser preso, tem gente disposta a pegar em armas por ele, ou se colocar como escudo para protegê-lo.

Nas últimas eleições presidenciais, Dilma foi eleita em parte por votos favoráveis a Lula, em parte por votos temerosos do não-Lula. O segundo lugar nessas eleições foi de votos brancos, nulos e dos eleitores ausentes. Esses votos são de gente que não se sente mais representada por político nenhum. Não vêem nenhum rosto à frente, estão com esse espaço vago, e querem uma nova forma para o seu preenchimento. Aécio ficou em terceiro. O voto nele não foi nele, mas no anti-Lula.

O anti-Lula se baseia no rosto do Lula. O personagem em torno do qual giramos todos é o Lula. Alguém que aposte no governo para o equacionamento de um problema educacional, de saúde, econômico, da própria honestidade da administração pública, etc, apontará para o Lula, seja o exaltando ou o rejeitando.

Após a condução coercitiva sofrida por ele, em 4 de março, para que prestasse depoimento na Polícia Federal, cartazes com os dizeres "Injustiça contra Lula, não! Mexeu com ele, mexeu comigo!" foram colados em grandes quantidades no centro do Rio de Janeiro. A imagem do cartaz era a de Lula em meio a uma multidão, com o detalhe de um garoto negro, seguro pelo pai, esticando o braço para tocar no sorridente Lula.

Ele é aquele que aparece para multidões. Há um tempo atrás, talvez antes da primeira eleição de Lula para presidente, falava-se muito sobre "a apatia política do brasileiro". Após essa eleição, passou-se a observar os passos de Lula como se se observasse a condução do "milagre da transformação do Brasil". Ao invés de se dizer que a educação ia mal, passou-se a dizer que Lula estava indo bem ou que estava indo mal.

As multidões que querem tocar o Lula são muito mais do que o que está na foto, muito mais do que quem vai às ruas. São pessoas que pela primeira vez, desde Vargas, não viam um rosto, um corpo para representar o que vai bem e o que vai mal.

A partir da frase "Injustiça contra Lula, não! Mexeu com ele, mexeu comigo!", pode-se dizer que a percepção das pessoas era de que os problemas sofridos pela população, antes de Lula, eram injustiças perpetradas por não se sabe bem quem. Poucos comentam a história do FHC. As injustiças não possuíam um agente bem definido. O culpado era abstrato. Os injustiçados se sentiam sozinhos. Parecia até irreal falar dos problemas sociais, ou ideológico. No Lula foi enxergado, antes de tudo, um companheiro de pobreza. Ao ser assim, ele foi tomado como um espelho dos problemas sociais, deixando-os mais tangíveis. A figura dele foi formada, então, com essa mistura com o que é da população. E a chegada dele ao poder só podia ser vista como uma revanche contra aqueles agentes abstratos da injustiça.

Hoje, o modo como se defende Lula das acusações de crime é o de quem luta contra uma "massa amorfa historicamente produtora de injustiça contra o povo, e logicamente contra o Lula." Pensando bem, a frase que melhor combina com a percepção das pessoas é a que diz que elas lutam contra uma "massa amorfa historicamente produtora de injustiça contra o Lula." O Lula tomou o lugar da população, o lugar de quem sofre injustiças. É como se toda a história dos problemas do Brasil tivesse se tornado a história dos problemas do Lula. E os problemas de educação, saúde, etc, tivessem se tornado o problema da perseguição ao Lula. Como diz o Paulo Ghiraldelli (https://www.facebook.com/ghiraldelli.filosofia/videos/989989031037940/?pnref=story), "tem gente achando que para ser de esquerda tem que defender o Lula".

A avaliação das pessoas é que a situação que se tem é a de uma disputa entre Lula e os muitos poderosos contrários a ele. O rosto de Lula é formado pelo corpo da multidão, que o ergue acima dela como se fosse seu próprio rosto, a cara que ela quer ter. "Ele é o cara!" é uma frase que demonstra isso. O garoto da foto alcança o rosto de Lula, que é o dele próprio. Se Lula sofre, causa dor no corpo-multidão.

Encontra-se adormecida a ideia de que temos participação política nula. Hoje nos vemos todos ou como apoiadores ou como opositores de Lula. As investigações dos atos dele são corretas. Mas são vistas como ataques contra ele. Os que o defendem agem por auto-defesa. Não querem que o próprio rosto seja destruído, e que se volte a ser injustiçado sem representante e com problemas também difíceis de entender, coisa de "gente carente". Pior do que isso: pessoas incomodadas por se sentirem passivas. Por isso alguns rebolam e falam em pegar em armas.

Contra ou favor de Lula, não sabemos o que fazer sem ele. É por isso que se o chama de "Lula", ao invés de "ex-presidente". É como se o brasileiro tivesse deixado de ser despolitizado, quando se elegeu presidente. E não quer perder o mandato. Mas ao menos um dedo falta, para o povo.



P.s. Lula é o rosto sustentado por um corpo formado pela multidão, pessoas que, antes dele, não encontravam uma forma de expressar seus anseios. Ao custo de um populismo autoritário, Lula prestou-se a ser a objetivação dessas pessoas, que agora não querem ficar órfãs dele. Moro, assim como foi Barbosa, também é um aglutinador de anseios, mas anti-Lula. Os que têm esta posição apontam no juiz para indicar as decisões que acham que deveriam ser tomadas. E não se dão espaço para um pingo de discordância em relação ao juiz. Tal fanatismo é o mesmo dos lulistas. Agora vejam a juíza que vai decidir sobre a prisão do Lula: ela não é famosa, nem tem grandes feitos no currículo (http://oglobo.globo.com/brasil/perfil-uma-juiza-apaixonada-por-gatos-viagens-18850671). É um indivíduo que tem a sua profissão, e é apaixonada por gatos e viagens. Enquanto uma massa elege seus rostos para poder falar de si mesma, seja como "carentes injustiçados", seja como "revoltados com a corrupção", surge um indivíduo bem-sucedido na vida, trabalhando e curtindo coisas. E que vai decidir por conta própria, usando a própria razão. Os animais de rebanho só podem se roer, não?

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