terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Uma nova forma de repressão


Eu estava achando bobo meu texto sobre o Rambo (http://psicfilo.blogspot.com.br/2016/02/rambo-macho-toda-prova.html). O homem se curte e se pavoneia tanto que chega a ser gay. Qual a novidade disso? Mas as reações dos homens a ele me mostraram coisas interessantes. As mulheres riram. Era um texto para rir, mesmo. Uma disse que o marido que fala da própria infância com o Rambo não é tão macho quanto pode pensar.

As mulheres ficaram à vontade com um texto que fala sobre algo que os homens escondem, sem saber que escondem. Alguns homens comentaram o quanto o texto ressalta a masculinidade, e os fez lembrarem, com carinho, da própria infância. Ou que os fez serem mais machos ainda. O sentido do texto está um pouco velado, é claro. Esse assunto é velado para alguns homens. Os que fizeram estes comentários talvez não percebam o quanto o macho é gay. Talvez nem tenham que perceber, pois se a brincadeira do menino é de luta, músculos e armas, é óbvio que o erotismo identificatório dele esteja nessas coisas. E ouvir que Rambo seja gay não incomoda esse adulto.

Também me disseram que eu verdadeiramente não assisti ao filme, como se eu houvesse o entendido errado. O Rambo e a macheza são intocáveis. Este sujeito, inclusive, sugeriu que eu apenas lesse os comentários dele e não os comentasse de volta. Quem fala sobre gays não pode se misturar com ele.

Agora, houve um comentarista que travou extensa troca de mensagens, comigo. Ele questionou o porque de eu ter sugerido que o Rambo fosse gay. Segundo ele, a sexualidade de ninguém é para se comentar. E falou como se o meu texto fosse ruim para os gays. Bem, no texto eu mostro o quanto Rambo é homoerótico. Não falei abertamente, para que as pessoas percebessem as sutilezas homoeróticas que há nelas mesmas e, a partir disso, não se espantem e não comentem, ou riam, ou tenham essa reação, para mim inesperada, de dizer que eu não posso dizer certas coisas.

Os gays são vítimas de violência, e têm lutado, com o apoio de grande parte da sociedade, em prol de mais direitos. Contudo, há parte da militância pró-gay que se queixa de piadas, programas de tv ou textos sobre gays. Segundo essas pessoas, esse tipo de material fomenta o preconceito e a violência contra os gays. Eu penso de outra forma: a evitação de que se fale sobre gays leva ao desconhecimento, ao preconceito e à violência.

Quando pequeno eu via o Costinha imitando bicha na Escolinha do Professor Raimundo, e cresci achando as bichas engraçadas. E com "engraçadas" não estou dizendo nada que inferiorize as bichas. Não estou dizendo que elas não devam ter liberdade para fazerem o que quiserem, inclusive amor, no espaço público ou no privado, ou de estudarem ou ocuparem qualquer cargo ou função para a qual se preparem. Estou dizendo que elas são espirituosas, leves, pessoas boas para se ter por perto, melhores do que os militantes que vêem homofobia em tudo.

O combate à homofobia é algo que será tão mais eficaz quanto mais inteligentemente analisar os conteúdos e os comportamentos relativos ao gay, combatendo a violência e as atitudes discriminatórias e estimulando a convivência e a alegria. Mas, se como diz o filósofo alemão Peter Sloterdijk, na era da leveza busca-se engajamentos para se dar peso à vida, dizer que existe uma "realidade" com a qual se lidar, os militantes pró-gay conseguem deixar pesado o que é o símbolo da leveza, que é o próprio gay. Então, que não se comente sobre gays, a opção sexual de cada um é assunto irrelevante. Sim, é mesmo irrelevante na hora de uma disputa de emprego de executivo ou de presidente. Mas, quando se trata de comportamento, abarcando o gestual, os modos de olhar, a valorização da masculinidade, e até o jogo de não se comentar sobre seu profundo erotismo, o ser gay entra na jogada, é relevante mencioná-lo.

Agora estou aqui pensando: se eu tivesse afirmado, dito claramente, que os filmes do Rambo são homoeróticos, teria se queixado aquele que não gostou de eu ter falado sobre gays? Acho que não, pois ele diria que meu texto era uma denúncia da falsidade daquele que se diz heterossexual. Então seria bom o texto que traz mais pessoas para o campo do gay, e ruim o texto que comenta o gay. Eu digo ser bom o texto que me faz olhar de formas alternativas para mim mesmo, seja um texto que me faz me ver como negro, ou um que me faz me ver como um e.t., ou um bicho, ou branco. Um texto que me faz ter novas experiencias, e pensar sobre novas coisas sobre o outro. E sempre que se pensa novas coisas sobre o outro, retorna-se a si mesmo e se vê também a ele de outra forma. E é bom o texto que comenta o gay, para que os aspectos dele se multipliquem tanto, ou para que se ressalte a positividade deles, que fique difícil alguém não se identificar com eles. E também fique difícil uniformizá-lo e protegê-lo dos olhares e dos comentários da sociedade, pondo-o de volta no armário.

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