quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Civilização, amor e medo


“Totem e Tabu” é a primeira incursão de Freud na antropologia. Seu mote inicial é a semelhança entre o homem primitivo, com sua crença em totens e tabus, e o neurótico obsessivo que a psicanálise estuda. O resultado alcançado por Freud, com este texto, foi uma narrativa mítica sobre o surgimento da civilização. Aqui, apresento esta obra, e a utilizo para um início de análise sobre como, em situações sociais, vivemos nossos impulsos eróticos e agressivos.

Darwin havia observado os hábitos dos macacos superiores. Deduziu que, em seus primórdios, o homem vivia em pequenas hordas governadas por um macho mais velho. Em um grupo de macacos, apenas um macho era reconhecido como adulto. Tão logo um jovem crescesse, disputava poder com o líder, e o mais forte matava ou expulsava os demais. Já na horda primeva humana, o pai era ciumento e violento, reservando para si todas as fêmeas e expulsando os filhos, assim que eles cresciam. Certo dia, porém, os irmãos expulsos uniram-se, mataram o pai e devoraram-no. Isso pôs fim à horda primeva.

Cada um dos irmãos rivalizava com os demais, querendo ter todas as mulheres para si. Nenhum deles era tão mais forte do que os outros, como o pai era. Se disputassem poder, destruir-se-iam a todos. Impossibilitados de serem como o pai, abriram mão do uso da força, a fim de poderem viver juntos. Abrem mão também do amor incestuoso, com as fêmeas do grupo, a fim de que os afetos fossem mantidos frios, ou seja, os impulsos agressivos não fossem atiçados.

Em relação ao pai, o filho sentia ódio, por ele ser obstáculo à satisfação das suas necessidades de poder e sexuais. Mas também sentia amor e admiração. Com a morte do pai, satisfez-se o impulso de ódio, do filho. O impulso amoroso, antes subjugado, agora se impõe como arrependimento. Tudo o que o pai proibia agora os indivíduos proíbem a si mesmos. O morto ganha força.

Os irmãos elegem um totem como substituto do pai, e a ele vinculam os dois tabus fundamentais da organização social: a proibição do assassinar e comer o totem, e a proibição do servir-se das mulheres do clã. Esta reação moral é decorrente da impossibilidade de os filhos ocuparem o lugar do pai. O impulso agressivo e erótico, uma vez reprimido, leva aos indivíduos a tornarem-se vigilantes da mesma moralidade que visa reprimi-los.

O totem é um lugar, um objeto ou um animal que o clã relaciona ao pai primevo. É o protetor do clã, o guardião da sua história e a fonte de identificação para cada um. Vestidos tal como o animal totêmico, ocasionalmente os membros do clã repetem o ritual da refeição totêmica. Nestas ocasiões, este animal é morto cruelmente e devorado cru. Todos no clã participam deste momento de liberação da agressividade. Eles dançam, imitando os movimentos e os sons do animal totêmico.

Após a cerimônia, o animal é pranteado, mostrando o arrependimento dos participantes e desresponsabilizando-os pelo que fizeram. Esta é a repetição da história de ambivalência em relação ao pai, em que estão presentes a morte, a culpa e a expressão do amor identificatório com o pai. O pai é o primeiro rival de toda criança. Assim o é porque a mãe é seu primeiro objeto de escolha sexual. Esta é a uma descoberta da psicanálise.

Ao longo do seu desenvolvimento libidinal e psíquico, a criança se libertará desta atração incestuosa. Inicialmente, a criança tem na própria boca a fonte do auto-erotismo. O instinto sexual buscará a obtenção do prazer, com a ajuda dos objetos que se relacionam com esta parte do corpo. O objeto externo preferido é o seio materno. À fase oral se segue a anal, em que o prazer se obtém com o controle da retenção e da expulsão das fezes, sendo o ânus a fonte de erotização. E à fase anal se segue a fálica, em que a criança explora os genitais dela e das outras crianças, e gosta de se tocar e ser tocada nesta região. Após esta fase, a criança deixará de centrar-se nas partes do próprio corpo, e elegerá objetos externos como fonte de promessa de satisfação sexual, ou seja, como objetos de interesse amoroso.

Há, porém, entre o estágio de autoerotismo e o estágio da escolha objetal, um estágio intermediário, no qual o instinto sexual, antes particionado, ganha unidade e liga-se a um objeto. Mas este objeto ainda não é externo. É o próprio Eu. O narcisista toma os próprios pensamentos como a realidade. Se a mãe chega a seu quarto, ele entende que isto foi para atendê-lo. Se o pai sai para uma longa viagem, deverá trazer uma lembrança para ele, como se fosse passar a viagem inteira procurando aquele presente. O neurótico obsessivo é o que melhor representa uma fixação psíquica na fase narcísica. Ele demonstra isso, ao imaginar que pode evitar ocorrências ruins, e provocar boas coisas, com a intenção afetiva do seu pensamento.

Voltando falar da história da humanidade, houve uma fase animista, em que o homem atribuía a si mesmo a total potência sobre o mundo. Posteriormente a esta fase, acompanhando a história individual de saída de si em direção aos objetos externos, há a fase religiosa. Os deuses são os criadores do mundo, e os donos da vontade que o governa. No entanto, o homem mantém a convicção de que, através de cultos e orações interfere nas decisões deles.
Por fim, na fase das concepções científicas, o homem estuda o universo e o tamanho do seu planeta, os animais e o lugar de sua espécie, seu próprio nascimento, desenvolvimento e morte. O homem é obrigado a se haver com a sua estatura e limitações. Ele não tem poder sequer sobre a própria vida, então é claro que não poderá fazer o que bem entende com os seus instintos sexuais e agressivos. Deverá adequar-se aos regramentos da realidade, da vida em comum junto aos outros. Ainda assim, cada saber que situa este homem em relação às outras coisas existentes, relativizando a sua estatura e o seu poder de ação, tem embutida a confiança deste homem na própria racionalidade, herança da crença da onipotência do seu espírito.

Enquanto possuíam uma concepção de mundo animista, os homens tomavam as restrições do tabu como válidas por si mesmas. Não havia qualquer autoridade divina que as fundamentasse, junto a um sistema de privações tomado por necessário numa organização social fundada em uma ordem religiosa. A punição pela infração ao tabu ficava a cargo da instância interna ao violador. O castigo severo era esperado para ocorrer pouquíssimo tempo após a falta.

Há o caso de um homem robusto que encontrou restos de comida na estrada. Ele os comeu, e só após isto lhe avisaram que aqueles restos foram deixados pelo rei. O homem começou a sentir violentas dores, e a ter diarreias. No dia seguinte, estava morto. Todos os objetos pertencentes ao totem, ou por ele tocados, assim como ele próprio, possuem a poderosa e misteriosa energia do que é proibido, ou tabu. O infeliz, ao tocar os alimentos deixados pelo rei, entrou em contato com esta energia, muito acima da sua capacidade de assimilação. Caso ele não houvesse morrido, seu povoado trataria de isolá-lo e fazer com que ele passasse por diversos ritos de purificação. Durante este tempo, ninguém mais se aproximaria dele. Ele mesmo tornara-se tabu, portador da energia.

Vivendo sob o sistema totêmico, o homem mantém um contrato com o pai primevo, em que este oferece proteção em troca do compromisso de que os filhos não repitam o ato que destruiu o pai real. E que não esposem as mulheres do clã, a fim de não despertarem o desejo incestuoso dos outros membros. Isso os faria guerrearem e se esfacelarem enquanto sociedade. Os homens do clã vivem fraternalmente, não se tratando mutuamente da mesma forma como o pai uma vez fora tratado por todos os homens unidos.

O totem, enquanto representante do pai, recebe os cuidados dos membros do clã fraterno, e os agradecimentos por protegê-los. O homem, contudo, jamais deixa de desejar o proibido. A destruição do totem e o incesto ou endogamia são tudo o que ele mais gostaria de fazer. O neurótico obsessivo, estudado pela psicanálise, tem uma ambivalência afetiva com relação ao próprio pai. Este neurótico tem desejos de agressão contra o pai, mas os nega obsessivamente. Em sua consciência vicejam a consciência de culpa, e o amor pelo pai.

A má-consciência é o maior carrasco que alguém pode ter, pois é a certeza da condenação contra os atos através dos quais realizamos desejos proibidos. O homem primitivo teme a punição pela infração a um preceito tabu. Os membros do clã aguardam a punição para o infrator. Caso ela não ocorra em breve, o sentimento coletivo de estarem todos ameaçados faz com todos se unam e punam o infrator. Cada homem é movido por impulsos incontroláveis, aos quais tenta manter sob controle. Realizam um linchamento coletivo do infrator, para afastar a sua má influência. A nenhum membro do clã é permitido se ausentar da punição, pois esta é a ocasião em que eles são autorizados a darem vazão ao ímpeto agressivo, expiando aquela falta e afastando-a do convívio dos irmãos.

O desejo de morte da pessoa amada, do neurótico obsessivo, ao ser reprimido, é substituído pelo medo de que essa pessoa morra e pela autoacusação. O altruísmo do neurótico encobre o seu egoísmo. Quanto ao homem primevo, o desejo de destruição do pai e do amor incestuoso pela mãe faz com ele estabeleça os tabus do seu clã. A partir das proibições fundamentais, os vetos se ramificam para outros comportamentos, animados pelos impulsos proibidos: mulheres durante a menstruação e logo após darem à luz, as propriedades dos homens, os rapazes em iniciação masculina e os mortos são incluídos no tabu. Estas proibições organizam a convivência dos membros do clã, e os protegem deles mesmos.

O temor que cada um tem em ser punido é objetivado no tabu, e o homem passa a crer que há um poder demoníaco oculto no elemento totêmico. Objetivados as proibições e a punição, o homem organiza-se coletivamente para lidar com eles. Os tabus são proibições muito antigas, impostas a gerações de homens. O lugar, o objeto ou a pessoa considerada totem é vedada ao toque. Mas, para qualquer um, tocá-lo seria o máximo deleite. Esse desejo é inconsciente, e a proibição, consciente. “Nada gostariam mais de fazer, em seu inconsciente, do que infringi-las, mas também têm receio disso” (Totem e tabu. p.26).

Semelhante ao obsessivo, o homem primevo tem medo do toque. Nem em pensamento se pode tocar no totem. Quem infringe essa lei é passível de eliminação. O infrator é contagioso e, alternativamente à morte, ele é conduzido a um período de isolamento e de grandes renúncias, para e expiação da sua falta.

Uma mudança mitológica ocorreu com a passagem da crença no demônio para a crença em deuses. Os objetos aos quais se entendia como portadores do poder demoníaco, venerados, serão considerados impuros. A crença no poder de deuses, e na sua sacralidade, rebaixou os demônios para objetos de horror, aversão. Essa dualidade mítica colocou de um lado a fonte da lei e das punições, os deuses, e a fonte da tentação, os demônios. Os deuses eram intocáveis porque sagrados, sumamente bons. Os demônios assediavam os homens.

Trago para cá a narrativa que está nas primeiras páginas do Genesis. O paraíso era a perfeita harmonia entre o homem, a mulher, os animais e inclusive as plantas. Bastava esticar o braço para se apanhar o que comer. Não havia mortes provocadas, não se derramava sangue. Também não se morria por velhice. Não se sentia fome, sede, privação de nada. Na esfera de Deus, o homem desconhecia o que era necessidade. Deus criou e colocou tudo para funcionar de forma perfeita, sem a possibilidade de que um ser disputasse qualquer coisa com o outro. E sem que o homem em si mesmo sentisse alguma sensação desagradável. Todos eram irmãos.

Certo dia, a serpente foi ter com Eva. Subiu em uma árvore, e falou-lhe ao ouvido as coisas maravilhosas que aconteceriam a quem experimentasse o fruto da Árvore do Conhecimento. A única proibição de Deus, para o homem, era comer o fruto dessa árvore. A serpente falou que o poder de Deus não era tão grande assim, não tão distinto do poder que teria aquele que comesse o fruto proibido. A mulher comeu a maçã. Em seguida, deu-a a Adão, sem que ele soubesse de que fruto se tratava. A desobediência de Eva foi intencional. E, por um momento fatal, Adão voluntariamente obedeceu a ela, comendo o fruto, e afastando-se do Pai.

A sabedoria era sagrada, havia sido vedada ao homem por ser propriedade do criador. O homem não precisava dela. O filho mexeu nas gavetas do pai. Tornou-se um mau-exemplo para os demais habitantes do jardim. A serpente foi amaldiçoada, para que todos soubessem que ela havia se tornando como que um tabu ou, no vocabulário bíblico, um ser maldito. Deus era verbo falado, comandos de ações: “faça-se a luz”, “crescei e multiplicai-vos”, etc. Quem era a serpente para querer mandar junto dele? Só poderia mandar quem tivesse a sabedoria, quem soubesse o que falar. Deus tornou a serpente maldita, um ser do dizer o mal. Foi condenada a mover-se arrastando-se sobre o próprio abdômen. Deste modo, a serpente não conseguiria chamar ninguém, para escutá-la. Todos os seres deveriam ter aversão por ela, pela energia maligna que a habita e o risco da tentação.

Já a maldição do homem foi a inserção dele na mortalidade. Ele agora nasceria, cresceria e fatalmente morreria, perdendo seus filhos e coisas queridas. O homem ganha um desenlace. Enquanto vivo, derramaria o próprio suor no solo para dele retirar seu sustento. Lançado sozinho no mundo, ele começou o trabalho para fazer o seu destino.

Voltando ao clã fraterno, a obediência ao pai totêmico é transmitida pela mãe. Ela dá geração às sementes do homem, os filhos provêm dela e são inseridos na ordem totêmica. Esta ordem são prescrições para as relações entre homens e mulheres com o totem, entre si e com membros de outros grupos totêmicos. No interior do próprio grupo, é claro, vigoravam a proibição da destruição do totem e o incesto. A mãe é um território vedado ao próprio filho, quando ele nasce. O exílio é sem retorno.

No texto “A Cabeça da Medusa”, Freud diz que a deusa Atena tinha, no centro do seu escudo, uma imagem horrível, porque proibida: a cabeça da Medusa. Não se podia olhar para a Medusa. A punição era instantânea. Freud identifica a cabeça da Medusa com a vagina da mãe, exatamente o solo que gera o homem e do qual ele parte para a própria vida, sem olhar para trás. A imagem da vagina da mãe é petrificante.

A nossa sociedade é uma reunião de pessoas de diferentes origens. Diante do olhar de um transeunte em uma grande cidade, multiplicam-se as diferenças, capas que conferem identidade ao portador, que é não mais do que um suporte, um cabide. O indivíduo circula neste ambiente, cuidando dos seus afazeres. Estes afazeres incluem, certamente, encontrar um cantinho para que possa vivenciar o que sua libido constantemente o empurra a fazer.

Um garoto começa a namorar uma menina que já está crescendo, moradora do prédio em que moram. Os adultos que cuidam dele acham bacana. O namoro ultrapassa a barreira de um mês. A mãe diz ao pai que ele deveria conseguir uma namorada na escola em que estuda. O namoro de vizinhos que cresceram juntos causa certo incômodo das gerações mais velhas.

A escola é um apanhado de crianças com aquelas diferentes origens. As idades são separadas por turma, e os critérios de seleção incluem o nível de renda da família. Em escolas com crianças de famílias de classe média, há barreiras impedindo a entrada de muitas crianças negras. A homogeneização inicial das turmas se encerra aí. Elas formarão um grupo regido pela professora, dentro de sala. Serão Pedro aluno da Professora Helena, Maria aluna da Professora Sìlvia, etc. A professora lhes dá uma identificação. Mas os nomes das crianças são completados com o nome da escola: Pedro aluno da Professora Helena da Escola Patinho Feliz. A ordem que rege todos é a da instituição, ela dá o último nome à criança. O nome da professora é o do meio, como uma transição do primeiro nome da criança, aquele com que ela chega à escola, e o último, o nome da escola. Um dia ela se formará naquela escola, reconhecida como um indivíduo, mas um indivíduo formado pelos ensinamentos da instituição.

Os garotos comentam baixinho, entre risos, sobre o decote da professora. Mas ninguém ousa desrespeitá-la. As meninas inspiram-se nela, para fazerem seus cabelos. Elas não sabem, mas quanto mais vão se tornando semelhantes à professora, mas fazem as cabeças dos meninos virarem em sua direção. Contudo, sobre elas também existe aquela proteção contra as investidas eróticas dos meninos. Um deles, contudo, resolve assumir-se apaixonado por uma colega de sala. Todos já suspeitavam desse interesse dele. Os mais chegados insistiam para que ele contasse logo a coisa para todos. Uma vez falada, a relação torna-se assunto da turma. Enquanto era escondida, incomodava pela proximidade com o proibido. As meninas aprovam. Os meninos desaprovam. E os dois engatam namoro. Logo as meninas já querem casar os dois, e brincam de falar o sobrenome de cada um deles.

O casamento, ou seja, o sobrenome comum, ainda é o avalizador do contato sexual, em nossa sociedade. É a prova de que um indivíduo não pegou qualquer uma na rua, para satisfazer seus impulsos. Os alunos da sala, cada vez mais homogeneizados, agora pelo mesmo aprendizado na série, são heterogêneos demais para que se autorize o seu envolvimento sexual. Um menino não pode mexer com a menina, “não tem intimidade”. Uma jovem pergunta a um jovem mais ousado: “você me conhece?”

Cada indivíduo, contudo, não deixa de ser puxado para a realização dos seus impulsos sexuais e agressivos. Na escola não se permite brigas, mas por ela saber a importância de alguma válvula de escape da agressividade, faz vista grossa para a enxurrada de garotos que corre, após a aula, para uma rua sem saída, para a briga que terá lugar lá. O que acontece lá, fica lá. No máximo se conversa sobre ela na diretoria. Os detalhes do rosto cortado e sorridente do garoto não podem ser conhecidos pelos outros.

Um homem foi preso por atacar sexualmente uma mulher. O direito à propriedade, o que inclui o próprio corpo, é um resquício dos regulamentos totêmicos sobre a relação entre indivíduos de clãs diferentes. Uma mulher estranha é um tabu de propriedade, por estar vinculada a outros homens, seus irmãos. Os presos têm seus próprios regulamentos para sexo e uso da força, de modo a que não se destruam mutuamente. Um indivíduo preso pelo crime de estupro terá um tratamento diferenciado, na prisão. A vítima, o juiz, os policiais e, sobretudo, a nova vítima já sabem que o pior castigo será aplicado pelo grupo de presos.

O primitivo clã fraterno, pela demora na punição do infrator, unia-se para a punição dele, liberando momentaneamente seu impulso destrutivo. Os presos unem-se pelo sentimento de vingança pelo tabu tocado. Espancam o abusador e, particularmente, estupram-no selvagemente. As regras sociais para sexo e força, que mantém a nossa civilização, não existem ali. E dentro do mundo infernal da prisão, o estupro e o assassinato do estuprador são medidas específicas destes casos.

A prisão é um lugar esquecido por Deus. A imagem social a respeito dela é a de um lugar regido pelo demônio. Para lá vão os que não seguiram as leis sociais, que fazem um indivíduo ser bom. Nesta visão, a prisão e quem está nela só podem ser maus. Todos eles são tabu. O demônio é o líder autocrático, tirânico, que mata e come quem quer. Os homens tentam mantém distância dele. Eles mesmos têm estes desejos. E, na prisão, os regulamentos do grupo de presos não proíbe totalmente a mútua destruição e o sexo, mas os regram de forma específica. Há uma hierarquia de poder que determina a agressividade e o sexo permitidos a cada um. As execuções e os estupros são metodicamente aplicados por um motivo que concerne àquela sociedade.

O regozijo demoníaco, contudo, ocorre na situação em que os presos unem-se para lidar com quem cometeu um estupro fora da cadeia. Cada um, em conjunto, torna-se ele mesmo semelhante ao demônio, se imbui da sua energia. Se o divino é distante do homem, o diabo permite-lhe um gostinho do seu poder. Algumas vozes surgem, na sociedade, dizendo que os presos fazem isso porque estão simbolicamente defendendo suas irmãs ou mães. Chegam a dizer que um acusado de estupro deve ser morto, deque forma for, pois “imagina se fosse com a tua filha!”.

Um homem ousou agir como o pai da horda. Ele, que não é mais forte do que todos eles juntos. Os irmãos se animalizam, e destroem-no. A sociedade tem lugares expulsos da lei geral, divina, para os quais olha com horror. São como Sodoma e Gomorra, lugares onde vicejam os piores vícios e impulsos. Não se faz a mínima questão de torna-los dignos de um ser humano. São receptáculos de todo o ódio da sociedade, que neles objetiva suas obsessões, o desejo punitivo e o medo que sentem.



Referências
FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. Editora Penguin e Companhia das Letras. 2015.
A Cabeça da Medusa. In: Psicologia das Massas e Análise do Eu e Outros Textos. Editora Companhia das Letras. 2015.
Nova Bíblia Pastoral. Editora Paulus. 2014.


9 comentários:

  1. que merda de texto,parece que foi escrito pelo meu irmão de 6 anos

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  2. Muito bom o texto!! Nossa sociedade impõe tantas normas que o diferente passa a ser tabu...estamos ficando engessados, como fugir disso?

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    1. O tabu de que eu falo é o que diverge dos regramentos sociais. Há, no homem, o impulso a essa divergência.

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    2. Mas vc não acha que tem algo barrando isso? Há no homem esse impulso mas não acha que a sociedade está fazendo com que ele (o homem) reprima isso?

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    3. Lógico.Na teoria freudiana, pagamos esse preço para vivermos em sociedade. Mas o interessante é que a repressão não funciona completamente.

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  3. Eu adorei o texto!! A repressão nunca funciona completamente. Ela há de encontrar receptáculo, nem que seja no coletivo.

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  4. O texto Totem e Tabu escrito em 1913 é genial, explica as culturas e estas por suas vezes, as instituições, os governos e as transformações sócio-histórico-político-culturais da vida humana, em que o tabu permanece um remanescente do totem. Civilização, Amor e Medo - oferece à nós leitores, uma boa oportunidade de revisão e atualização da abordagem freudiana.

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