sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O melhor e o pior homem


Ninguém acha que bater em criança é um modo de educá-la. Mas, se um amigo lhe disser que irritou-se com o filho, vindo a bater nele com o chinelo, você entenderá que ele bateu por um esgotamento das outras formas de resposta à criança, e que ele está arrependido. Afinal de contas, seu amigo precisa ser humano, como você.

Mas há quem faça uso sistemático de surras, não as tomando como um desvio, na educação de uma criança. Um amigo desta família, sabendo deste fato, buscará sinais de que o pai ou a mãe saibam o que fazem, quando surram seus filhos: se eles falam sobre punições leves para faltas leves, moderadas para moderadas, e pesadas para faltas pesadas, demonstrando a presença de uma razão. Você lhes sugere outra forma de tratar a criança mas, ainda que não a aceitem, sabe que não se tratam de monstros.

Este vídeo (http://g1.globo.com/…/pai-e-suspeito-de-agressao-contra-fil…), recentemente divulgado, mostra um pai segurando pelo braço a filha de três anos, e nela dando cintadas, provavelmente acertando várias partes do corpo. Quando criança, algumas vezes apanhei de cinto, na bunda. Já naquela época eu tinha a sensação de que meu pai não precisava fazer aquilo. Mas, eu sabia, meu pai aplicava o castigo com algum controle sobre si mesmo. Era alguém que liberava seu impulso agressivo de forma não caótica. A ação do pai deste vídeo tem no sacudir a criança pelo braço o elemento caótico, quero dizer, de falta de qualquer ordem, qualquer razão no emprego da força.
Em nossa reprovação dos castigos físicos, não apenas contra crianças, a cena de alguém agredindo o outro sem o uso de ferramentas, ou seja, usando o próprio corpo, é a imagem do abandono da humanidade, e o retorno à bestialidade. É como se o homem houvesse involuído.

A não utilização de ferramentas, por parte de um agressor, sugere alguém sem qualquer preocupação de proteger-se do que está fazendo. Um pai que usa chinelo ou cinto no castigo corporal ao filho, ao não usar a mão, mostra um receio por não se sujar do sofrimento inflingido. Um ser bestial usaria punhos, garras e dentes para massacrar e abrir caminho por um corpo, cujo sangue, suor e lágrimas, ao serem tocados, atiçariam ainda mais a fera. No vídeo, o pai foi atiçado pelos gritos da filha.

O extremo que apresentei aqui, mostra alguém indo "às vias de fato" em uma situação doméstica, como se brigasse em um bar. Ir às "vias de fato" é o que vemos em linchamentos, tanto de pessoas que cometeram crimes como roubo ou assassinato, quanto de governantes, através da expressão de dizeres agressivos, em passeatas. São pessoas que pareciam apenas estar esperando a oportunidade de serem bestiais.

Na rua ou em casa, se somos humanos, cuja imagem é a do homem civilizado, não nos é dada a livre satisfação do nosso impulso agressivo. Em seu lugar, em situações em que se é convocado a fazer com que uma pessoa atenda a uma lei ou regra, querermos mostrar, pelo nosso ethos, que o próprio agente da lei ou regra também e sujeito a elas.

Exercitar modos de ação que se acompanhem por razões, e que sejam por elas justificáveis, é o que uma pessoa considera de mais elevado que pode ensinar a um filho, ao cônjuge ou ao governante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário