quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Quando é importante ser branco e negro. Quando não é importante.


Uma vez, eu era pequeno, minha mãe levou-me com ela numa visita ao amigo Milton. "É negro", disse-me, como quem conta nada de importante. Lembro-me que reparei que ele tinha a mesma cor dos garotos com quem eu brincava na rua. Mas, até então, não me passara pela cabeça que eles eram negros. Os negros só existiam nas aulas de história do Brasil.

Nos anos 80, a maior parte dos pobres já era de negros. Esta pobreza dá-se por subempregos e desempregos, e más condições de moradias. O negro tem menos escolaridade, porque começa a trabalhar em uma idade em que o branco ainda é criança. O ciclo baixa-escolaridade - baixos rendimentos - filhos com baixa-escolaridade mantém o negro como o mais pobre. Essa sociologia ainda é uma verdade, mas eu não a conhecia, quando criança.

Os garotos com quem eu jogava bola na praça não ganhavam tantos presentes quanto eu, no Natal. Eu sabia que eram pobres, mas não havia mais nada que nos diferenciasse. Sim, havia outra coisa: eles sabiam jogar bola. Não eram negros. O primeiro negro que vi na minha frente foi o amigo da minha mãe. Não foi a empregada, não foram os garotos na praça, não foram as mulatas da Globo. Como o Milton tinha uma boa casa e usava boas roupas, entendi que, se ele era negro, não tinha nada a ver com os negros escravos.

Como os negros eram só coisa de história do Brasil, ninguém sentia falta deles na minha sala de aula, no colégio particular. Como a empregada não era negra, lá em casa não tínhamos nada a ver com os senhores de escravos. Eles eram maus. A empregada tinha o quarto dela, mas ela era "praticamente" um membro da nossa família. Dizíamos sem corar. Não havendo negros, não havia exploração. Éramos cegos para as desigualdades.

Hoje se nota a falta do negro na boa escola. Se nota o negro miserável, ou no banditismo, na rua. Adotamos duas direções para a modificação desta percepção: expulsão, a partir de pedidos por prisão, mesmo sem julgamento, e aceitação de mortes, por exemplo, ou vontade de conviver, a partir de pedidos por cotas e de redução dos crimes cometidos, contra eles, pelo poder público, também por exemplo.

Adolescente, tive como melhores amigos, negros. Eu já sabia o que era "negro", e também o "pobre", porque aquela sociologia já começava a ser ensinada na escola. No entanto, eu e um deles, na rua, éramos apenas o "feijão com arroz", como um outro amigo dizia. Eram caras como eu, suas famílias eram como a minha. Bem, a família deles era maior. Na escola, para mim, não havia falta de negros, embora eu, hoje, diga que só havia um. A criança e o adolescente só enxerga quem é seu amigo, e quem não é.

Coincidentemente, tive esses amigões negros. Quero dizer, amigões. Não que a cor não importe. É importante falarmos nela, enquanto adultos, intelectuais, jornalistas, políticos, etc, para repararmos que ainda é necessário colorirmos mais as escolas, os shoppings, os bons hospitais, etc. Hoje tenho relação com mais brancos do que negros. Eu diria que seria bom que, ao menos, eles fossem na mesma quantidade. Mas, na minha experiencia cotidiana, de gostar de puxar assunto e contar e ouvir coisas interessantes, o fato de uns serem brancos, e outros serem negros, não faz muita diferença.

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