quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Olhos de boneca


Narizinho passava horas trepada na jabuticabeira. Perdia a conta dos frutos comidos. As vespas também se interessavam. Uma vespa passava horas mergulhada na doçura de uma jabuticaba.

Sem querer, Narizinho catou uma jabuticaba com vespa. Nhoc! Ai, ai, ai! Correu para Tia Nastácia, que arrancou da língua o ferrão. A menina deu por falta de sua boneca. A Tia buscou-a do pé da árvore.

Narizinho supôs que Emília estaria chatada, por ter sido esquecida. Qual! A boneca havia passado algum tempo parada, com os olhos vidrados, no nível das jabuticabas no chão. Ela queria contar à menina sobre um plano de vida que olhos humanos não alcançam.

A jabuticaba dolorosa, para Narizinho, estava caída. Em seu interior jazia uma vespa, retorcida. As formigas, seres com quem sempre se pode contar, organizaram a retirada dela do local, e combinaram o local do enterro.

Arrumada para ser enterrada, a vespa parecia melhor. Mas dormia o sono eterno. Um besouro sacou o papelzinho, de onde leu o discurso. A audiência assistiu. O discurso, porém, não terminava nunca, e as formigas foram embora.

Um sapo, que também se aproximara, estava adorando o falatório do besouro. No clímax, a língua encompridou, abraçou o discursador, e trouxe-o para dentro da boca. Nhoc! Mas, desta vez, sem gritos.

O besouro era exatamente o que deveria ser comido, pelo sapo. A vespa não era para ser comida pela menina. Ela é do plano daqueles que se embriagam com uma pequena fruta, são removidas por formigas trabalhadoras, recebem discursos de um nobre, de casaca. Um plano que é observado pelos olhos de botão da boneca.

A boneca a menina leva consigo, porque ela sempre lhe conta o que a menina mesma não consegue ver.

Baseado na edição chamada "As Jabuticabas", história de Monteiro Lobato extraída de "Reinações de Narizinho".

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