terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A obrigatoriedade de se ler a Iliada


Diz-se que é obrigatório ler a Ilíada, como uma exigência para alguém se tornar culto. Ser alguém culto é apropriar-se da sua própria cultura. Não é, portanto, uma erudição vazia, sem sentido para fora dela mesma. É ter condições de entender seus próprios valores, seus hábitos, coisas que se tem sem que se perceba. Essa necessidade cultural, então, torna obrigatória a leitura deste livro.

Considero a Ilíada obrigatória para mim. Como isso começou? Minha primeira leitura dela não foi por curiosidade. Ao começar a ler, e avançando um bocado, a curiosidade tornou-se obrigatoriedade. Eu simplesmente tinha que continuar lendo, para saber não tanto o que aconteceria, mas como isso seria contado. Muitos livros despertam isso em nós. Mas a Ilíada tem algo de especial, que poucos livros têm: cada cena, ao ser lida, dava-me a sensação de que precisava ser entendida melhor. As intenções dos personagens, suas emoções, suas decisões, eram lidas com facilidade. A primeira leitura é fácil. A questão é que esse livro te obriga a continuar pensando em cada coisa que ele diz. Desde que você o lê, você começa a relê-lo. Desde o primeiro momento, a Ilíada me deu a sensação de que havia mais a ser entendido.

A exigência cultural de se ler os clássicos torna-se, para quem lê, uma exigência do leitor consigo mesmo. Pode-se induzir alguém a ler a Ilíada dizendo da obrigatoriedade disto. Pode-se, também, dizer que a sua leitura proporciona prazer. Os dois motivos estão corretos, quanto a este livro. Mas, para quem lê, a obrigação vira uma imposição da pessoa a si mesma, pois a pessoa não se furtará ao prazer da leitura, e estará tomada pela necessidade da releitura, do pensamento sobre o livro.

Eu digo a você para ler a Ilíada porque quero ter à minha volta mais gente que passe por essa experiência. É por isso que, geralmente, se recomenda livros. Uma professora me recomendava certo texto de Freud. Ela queria que, depois, eu mostrasse a ela o que entendi (e esse entendimento é do texto, como também de mim mesmo, da pessoa que entendeu o texto. Ao expressar o entendimento de algo, expresso meu próprio processo de pensamento. Expresso, por isso, a mim mesmo). Ela queria, também, e isso estava subentendido, que eu vivesse Freud junto com ela, que eu apreciasse o raciocínio dele, as novidades que ele trazia, e que os associasse a ela. Ao fazer isso, eu também os associava a mim. Quem fazia matérias específicas de terapia existencial-humanista, por exemplo, passava por outras experiencias, outra formação.

Formação requer convivência, viver junto os clássicos. É uma certa amizade, e é a construção de certas imagens para quem ensina e para quem aprende.

P.s.: Agradeço ao meu amigo Kelson JS, por ter me perguntado por que eu leio a Ilíada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário