quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Lendo Ilíada com jovens



No programa Hora da Coruja de 22 de setembro de 2015 (http://flixtv.com.br/tv/a-filosofia-no-curriculo-unico-do-mec-hora-da-coruja-flixtv/), o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. lê um trecho do livro “Morte Aparente no Pensamento”, do filósofo alemão contemporâneo Peter Sloterdijk. No trecho, aparece o filósofo Cícero, dizendo que em um mercado há três grupos humanos: os mercadores, que para lá acorrem em vista da possibilidade de ganhos, os atletas, que, tendo seus corpos trabalhados, buscam aplausos, e aqueles que vão para observar todos os outros. Estes últimos não estão em busca de ganhos ou de receber aplausos, mas são inclinados à busca do conhecimento.

O jovem contesta o lugar de onde ele provém, ou seja, a família, a comunidade e as instituições nas quais ele cresceu serão confrontadas por ele. No entanto, falta-lhe experiência de observação e de reflexão sobre o seu lugar e, consequentemente, sobre si mesmo.

A Ilíada, como um livro clássico, é um tratado sobre os costumes e o hábito do povo que o gerou. Neste aspecto, é um texto que trata de algo circunscrito, particular. Uma pessoa que viva em 2015, no Brasil, pode, através dele, entrar em contato com a cultura grega antiga, e a formação daquele homem. Logo após isso, este leitor começa a fazer o movimento de olhar para o próprio mundo: que moralidade e valores regem a relação entre os homens, qual a participação da ira nas emoções e decisões dele próprio, como são tramados os acontecimentos que escapam do poder decisório dele, mas que, se ele se esforçar muito, pode ser que joguem a seu favor, etc, são temas da Ilíada. E são questões do leitor de hoje. É por esta universalidade, por permitir que qualquer pessoa, em qualquer época e lugar se identifique com ela, que se diz que a Ilíada é um clássico.

A Ilíada nos oferece uma referência para observarmos a nós mesmos, e para nos entendermos de forma profunda. Sair do plano dos saberes corriqueiros sobre o mundo e sobre o eu, e atingir uma base fundamental nossa, aproxima-nos do conhecimento da nossa alma, ou seja, nos aproxima do universal. Portanto, da mesma forma que a Ilíada é um livro sobre uma particularidade, mas que se eleva à universalidade, ser o seu leitor permite que se entenda mais a própria particularidade, e se adquira condições para dizer algo que qualquer pessoa poderia ler com proveito.

O professor deve ser um direcionador do impulso do jovem, trazendo-o para o que vai melhorar a capacidade dele de refletir sobre as coisas, e agir melhor. No livro “Sócrates, filósofo e educador: a filosofia do conhece-te a ti mesmo”, também do Paulo Ghiraldelli Jr, está que Ganimedes, um belo jovem, fora visto por Zeus, que por ele imediatamente se apaixonou. O deus fez-se em forma de pássaro, e apanhou o jovem. Levou-o para a morada dos deuses, para tê-lo sempre por perto.

Os jovens são belos, e gostam de aplausos por seu estilo e movimentos. É pelo corpo que eles querem ser admirados. O professor começa por admirá-los por isso, mas também deseja que a intelectualidade deles acompanhe esta beleza. Nisto, o mestre aposta no desenvolvimento da parte mais divina da alma do jovem, o intelecto.

Aproveitando a exposição de Cícero, sobre os grupos no mercado, poderíamos dizer que o jovem se situa entre os atletas. Mas esta posição não é bem justa ao jovem, pois ele também é curioso, quer conhecimento. O guerreiro, na Ilíada, quando empreende um vigoroso ataque, é visto como tendo sido impulsionado por um deus. Diomedes lutou ao lado de Atena. Ele mesmo não é um filósofo, mas um filósofo, observando-o, pode dizer que a deusa que é, simultaneamente, da razão e da guerra, além de ter insuflado o ânimo guerreiro de Diomedes, orientou os seus ataques, a começar pelo vôo da sua lança.

O filósofo, então, pode ser aquele que observa o desempenho corporal do jovem atleta, e o entende. Ele não vai, portanto, recomendar ao jovem que seja menos atlético, mas aproveitar o desempenho deste para perguntar ao jovem sobre a natureza da coragem, do vigor, da glória, etc, tal como Sócrates faria. O filósofo, então, seria amigo do jovem atlético, no sentido de levá-lo a desenvolver-se também como observador de si.

O professor não deve sugerir ao jovem que seja “menos corporal”, “menos afoito”. Ao invés disso, pode sugerir um caminho para vivência dessa corporeidade. A Ilíada oferece cenas que, se lidas em grupo, permitem a dramatização de ataques, mortes e maquinações. Esta experiência é corporal, e enseja a reflexão sobre o seu sentido.

Segundo Ghiraldelli Jr , o filósofo quer tornar a própria alma mais bela, para que ele, um dia, seja percebido por Zeus e também seja por ele apanhado. Ele quer, para ele próprio, o prazer e a melhoria de si mesmo. Neste ponto, ele encontra o educador, ao querer que o jovem sinta prazer, e parta disto em direção ao conhecimento e a melhoria de si mesmo. O professor deste tipo quer que o jovem venha ler com ele, para, juntos, eles viverem a história.

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