quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Como olhar o jovem


A educação dos jovens, em diferentes épocas, baseou-se na relação entre um adulto e o jovem a ser educado. Relação é troca. Relação educativa é uma troca de saberes, ou melhor, entre a disposição de um em ensinar, e do outro em aprender.

A instituição educacional dos gregos antigos era a pederastia (para escrever sobre a pederastia, e também sobre Sócrates, que abordarei a seguir, inspiro-me e baseio-me no livro "Sócrates, pensador e educador: a filosofia do conhece-te a ti mesmo", do filósofo Paulo Ghiraldelli Jr.). Imagine a cena: jovens atenienses exercitavam-se, ao ar livre. O sol banhava seus belos corpos. Dois homens aproximaram-se, para vê-los. Um deles, marceneiro conhecido pela grande qualidade do seu trabalho, mira um dos garotos, especialmente belo. Faz a aproximação. O jovem interrompe os exercícios. Ele ri mal-disfarçadamente para os outros jovens.

O homem apresenta-se como um grande marceneiro (- "aquela porta que podes ver daqui, com uma das batalhas de Homero entalhada, rica em detalhes." - "sim, eu vejo. bacana."), e influente na cidade. Não tem herdeiros para o maior bem que possui, sua arte. Os finos e firmes movimentos daquele rapaz mostraram que ele leva jeito para a delicada e precisa marcenaria.

O homem convida o rapaz para ser aprendiz. Eles frequentariam as reuniões da cidade. O jovem teria um mestre, orientador, zeloso pelo melhor para ele. O jovem, acostumado a receber convites, novamente sorri para os outros. Pede que o grande marceneiro venha vê-lo novamente, amanhã.

Em uma sociedade em que Eros se fazia presente na educação e na política, a atração de um homem por um rapaz, o desejo de unir-se a ele, era tanto para troca de carícias sexuais, quanto para o ensino de algo que seria fundamental para o jovem: profissão e prática política.

Jovens sempre se reúnem em espaços públicos. Adultos os vêem, e têm expectativas para eles. O marceneiro da minha cena sorri e vê algo promissor no jovem que escolheu: ali há beleza, e também algo bom (o belo e o bem vinham juntos, para o grego antigo), ou seja, a possibilidade do desenvolvimento de excelências. O jovem tinha tudo para ser a melhor obra do marceneiro, fazendo-o feliz, na velhice. E estava em condições dele próprio realizar grandes obras, e também um dia ser feliz.

Os jovens de uma grande cidade frequentemente não são vistos com bons olhos: indisciplinados nos estudos, indecisos quanto ao que fazer da vida e possíveis ameaças à ordem e trangressão dos costumes são vistos pelos adultos que por eles passam. Frequentemente os pais deles são os primeiros a vê-los assim. A prevalência deste olhar vazio de boas expectativas é maior quando dirigido a jovens de famílias de baixa renda, ou jovens negros. Podem ser belos, dançando funk sensualmente na rua, mas isto é tomado como mais um fator que os levará ao mal (sexualização e gravidez precoce, e vadiagem).

Eles de fato conhecem muito do mundo, pois passam muito tempo em grupo, na rua e nas redes sociais. Não cessam de buscar o que querem. O que um pai, um professor e um psicólogo lhes oferece parece ser a última coisa que querem. A animação, as músicas e o compartilhar de movimentos torna-os sem paciência para aulas e sermões. Eles sabem muitas coisas, e não têm culpa.

Existem figuras que atraem a curiosidade de todos. São um imã para jovens. Sócrates amava o jovem Alcibíades, mas era por ele procurado. Como? Isso invertia a pederastia! Entre nós, um professor quer muito ser esse tipo de imã.

Sócrates era um coroa feio. Não se vestia direito. Mas sabia fazer boas perguntas. Boas no sentido de que animavam o interlocutor a falar longamente sobre o que fazia. Sócrates se interessava pelo que o jovem, ou qualquer outro, fazia. A um soldado corajoso: "o que é a coragem?". A um escultor: "o que é o belo?". Todos esmeravam-se nas respostas. Sócrates percebia, e apontava, que só estava a ouvir exemplos, não definições do que perguntava. O interlocutor tentava outra resposta, incorrendo no mesmo erro.

Alguns, que se consideravam importantes, irritavam-se com essa conversa. Outros tornavam-se seguidores do filósofo. Ouvir os discursos de qualquer pessoa, seguido dos comentários de Sócrates, era um prazer. Ele conversava com atenção e argúcia profundas. Com quem não desistia, Sócrates mostrava consideração a respeito do que a pessoa conhecia de si mesma, no sentido de conhecer a própria alma, as reais condições de fazer o que pretendia fazer, de ter o tipo de vida que queria ter. De Alcibíades, Sócrates diz-se amante, não do seu lindíssimo corpo, mas da sua alma. Ele queria o melhor para o jovem. E Alcibíades incessantemente buscava Sócrates, pois precisava ser alvo da atenção, das perguntas dele.

Sócrates era um homem mais velho e provocador. O jovem, curioso de tudo, tinha muita curiosidade por Sócrates. E, assim, sentia mais curiosidade sobre as coisas e sobre si mesmo.

É preciso ter espaços com música, internet, esportes, lugares para o jovem se interessar e se entusiasmar um com o outro. Também é preciso haver espaços com aulas. Nestes espaços, é preciso uma figura que inexiste quando o professor ganha pouquíssimo, e não olha com bons olhos, olhos promissores, ao aluno e a si mesmo: o homem, a mulher, interessante, que tenha valor, generosidade, mas que não seja óbvio. Que ensine o que é preciso, mas que olhe para o jovem e queira conhecê-lo. Queira que ele conheça a si mesmo.

O rapaz gosta de uma colega de turma. Ele não falta a um dia de aula. O professor tem a chave de como ele deve conversar com a garota. O professor tem alguma experiência de vida, e os garotos vão querer saber como ele arbitra um lance engasgado de uma partida de futebol, que eles tiveram, ou o que ele pode dizer de qualquer questão do dia a dia deles. É o professor-amigo, que consegue, sem querer, fazer com que os garotos venham e queiram ser vistos e ouvidos por ele. Admirados, olhados com olhos promissores.

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