segunda-feira, 15 de junho de 2015

Quem é o ator?



Em entrevista recente para o Jô (http://globotv.globo.com/rede-globo/programa-do-jo/v/alessandra-maestrini-lanca-o-cd-draman-jazz/2474373/), a atriz Alessandra Maestrini disse estar em cartaz, com uma peça, interpretando uma mulher judia que se veste de homem, para freqüentar a universidade em um tempo em que mulheres judias não podiam estudar. Um dia ela se apaixona por outro homem. A atriz afirma que o conflito da personagem está na contradição entre ser vista socialmente de uma forma, e sentir-se de outra forma. Vestir uma roupa de homem estaria na contramão de sentir desejo por homem.
Mais adiante, na entrevista, Jô pede que Alessandra conte sobre a assunção pública da sua bissexualidade. A atriz diz que, volta e meia, perguntavam-na em entrevistas sobre quem ela estava namorando. Às vezes perguntavam especificamente pelo homem com quem ela estava. Ela disfarçava, chamava de “ele” quem queria chamar de “ela”, e elogiava o próprio “namorado”.
Rousseau, filósofo, deu-nos a noção de “sentimento interior”. Segundo conta, sua sociedade não soube reconhecer sua bondade, e retribuir, sendo boa para ele. Ele procurou ajudar pessoas, agir bem - intencionalmente, mas sofreu com a incompreensão e a aproximação de pessoas que, fazendo-se de admiradoras, tiraram proveito da sua fama e bondade. Que sentimentos ele tinha? Para responder isso, ele partiu em caminhadas solitárias, a fim de conhecer os sentimentos que ocupavam seu coração. Rousseau queria conhecer o verdadeiro eu dele, através do conhecimento dos próprios sentimentos.
O social era máscaras e insinuações. Outro filósofo, Pascal, viu nessas coisas não o encobrimento de um “verdadeiro eu”, mas simplesmente os formadores indispensáveis do “eu”. O “eu” é o aglomerado das suas posses, dos seus títulos e honrarias, das suas funções e cargos, sem os quais nada sobra. O eu surge quando algo veste a as roupas de quem somos, e aquele algo torna-se “eu”.
Falando com o Jô, Alessandra contou que sempre diz, nas entrevistas: "sou gaúcha, atriz, namoro a... ou melhor, o... " Essa parte ela mudava. Ela se sentia traindo algo em si mesma. É rousseauniana, neste sentido, como seu atual personagem no teatro. Quem ela verdadeiramente é precisava ser expresso, mas era escondido.
O eu de Alessandra e de sua personagem conflitavam com seus “verdadeiros eus”. O eu da personagem deveria ser masculino, caso quisesse estudar. Mulher nenhuma podia estudar! Uma paixão, porém, tornou difícil manter a mesma aparência. Rousseau comemoraria a força do coração, e rebaixaria o eu social ou público. Alessandra, porém, tem o eu público em alta conta.
O eu de um ator conhecido é público. Ele é perguntado sobre tudo em sua vida, e precisa ter algo para contar que seja visto pelos outros como “quem ele realmente ele é”. O teatro é, geralmente, onde o ator diz se revelar e, quando o faz, o público sente-se também revelado, embora não exposto como o ator. É o local da exposição do mais íntimo, e a forma como um ator se expõe é sua marca pública. Alessandra, embora rousseaniana, ou seja, dotada de um “sentimento íntimo”, não tira a importância do eu que mostra.

Thiago Ricardo de Mattos, psicanalista

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