segunda-feira, 15 de junho de 2015

O meu muito obrigado


Em um grupo de amigos conversava-se sobre os problemas em ajudar alguém. Um deles dizia estar preparando um trabalho acadêmico para um colega. Ao saber disso, o grupo protestou. O mal não era ele estar fazendo o trabalho por outra pessoa mas, sim, permitindo que outra pessoa o aproveitasse para fazer um trabalho que deveria ser dela própria. "Você deveria cobrar", disse uma amiga, "pois, assim, ele daria valor e, quem sabe, passaria a fazer os próprios trabalhos!" "Cansei de ajudar os outros. Quando era para me ajudarem, todos faltavam", disse outro.

O grupo dizia que o trabalho devia ter uma contrapartida financeira. O detalhe era: para que o outro aprendesse. Pagar um preço pelo trabalho deveria custar mais do que a quantia gasta: o preço deveria ser algo da atitude ou do do modo de ser do pagador.

Marx apontou a modernidade como a época em que, tendo o valor de uso das coisas sido substituído pelo de troca, em um mercado que para tudo estabelece uma base comum (o dinheiro) de comparação e equiparação, o trabalho de uma pessoa vale o mesmo que mil reais ou dez calças ou meio computador. A injustiça, no sentido de desajuste, desta lógica, começa quando aquele que faz o trabalho não vê, em sua vida, a justa recompensa pela sua atividade. Ele chamará a atenção do patrão para onde mora, as suas dificuldades, até sua história e visão de mundo. Precisa ser mais bem pago! Esta reinvindicação é por um aumento na remuneração, embora aponte para algo além dela. O mercado desequilibra os preços, em nome do lucro de uns poucos. Então o trabalhador precisa ganhar mais, e isso porque ele passa pela dificuldade x ou y, ou por ele ter essas ou aquelas virtudes que merecem valorização. Essas virtudes podem não se refletir na forma com que ele trabalha, ou podem incrementar o que ele produz.

O dinheiro é apontado como um frio mediador, na troca de apreciação entre as pessoas. Minha amiga queria uma mudança no sujeito que não fazia seus trabalhos acadêmicos. Freud disse que a análise deve custar um preço tal que faça o paciente considerá-la cara, mas, como o paciente também a considerava necessária, se empenhava mais pela resolução dos seus problemas psíquicos.

Trabalhamos e queremos algo mais do que dinheiro, em troca. Queremos reconhecimento que chegue sem mediação, incentivos ou conselhos de impacto direto em nossas ideias e emoções. Rousseau falou de um menino coxo a quem sempre encontrava na rua. Este lhe pedia dinheiro, no que era atendido, e respondia contando casos de sua vida. Inicialmente o filósofo dava dinheiro com prazer. Depois, passou a se sentir obrigado em dar. Para evitar o menino, mudou seu caminho habitual. A gota d'água foi ter sido chamado de Sr. Rousseau, pelo menino. De Sr. Rousseau qualquer um na sociedade o chamava. O menino deveria conhecê-lo melhor do que isso. Deveria reconhecê-lo, recompensá-lo chamando-o de algo não impessoal.

O menino de Rousseau fê-lo sentir-se vítima de ingratidão. Ingrato é quem não reconhece o bem que lhe foi feito. Em trocas comerciais, este bem tem um preço claro. Bem, nem sempre. Odiamos um restaurante com um garçom eficiente e de nariz em pé.

Demonstrar gratidão não é pagar pelo que consome. É sorrir para o garçom que nos traz comida. Alimento-me e me visto com coisas oriundas de várias transações. Alguém que me vê na rua não viu ou participou delas. Quem participa de transações comigo, parece frio. Como não sou pago só com dinheiro, alguém mais precisa me pagar. O mundo tem que me sorrir. Também sou frio com meu chefe, meu empregado ou meu cliente. Minha esposa e filhos não têm o melhor de mim. Para todos os outros, sorrio, agradecendo o amor que acho que vem deles.

Tem havido feiras e correntes "de gratidão", gente doando objetos, histórias, oferecendo abraços gratuitos. Na verdade não são gratuitos estes objetos, histórias e abraços: minhas relações são frias, me medem pelo dinheiro, não elevam meu valor, mas, veja, o universo conspira a meu favor, os olhares na rua são o "bem" que recolho por aí. Assim, arrumo de ser pago (afinal, essa vida tem que valer a pena). A vocês, o meu muito obrigado.

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