segunda-feira, 15 de junho de 2015

O indivíduo e o divino, entre Homero e nós mesmos



Na Ilíada, Aquiles é considerado o maior guerreiro dentre os gregos. Batendo-boca com Agamenon, este diz que Aquiles só é ótimo guerreiro por ser protegido pela deusa. Em um outro trecho da história, outros personagens gregos dizem esperar que Zeus conceda-lhes a glória de tomar determinada cidade troiana. Mais no início da história, uma mortandade por doença, também do lado grego, foi atribuída a Apolo: o deus cumpria o pedido de um sacerdote que fora humilhado pelo líder dos gregos.

Este modo de pensar, do grego antigo, que atribuía aos deuses poderes sobre a vida dos homens, é o mesmo que o nosso, quando dizemos que Deus é responsável pelo que nos acontece? A resposta é não.

Para os gregos antigos, o mundo seguia a vontade dos deuses. O homem podia cuidar da própria ação, mas não das consequencias destas. Este misticismo não se dava por ignorância do povo grego. Para ele não havia a figura do individuo, figura na qual modernamente se atribui a vontade, e também a responsabilidade sobre as consequencias dos atos e o poder de decisão sobre o próprio destino. Como disse Marco Casanova, num Hora da Coruja sobre Heidegger (http://flixtv.com.br/tv/hora-da-coruja-flixtv-3/#.VXZKEXO5dAh): O lugar onde nasce um indivíduo não determina o destino dele. Ele é móvel, pode (e, chegamos a dizer, deve) mudar tudo em si mesmo e "não se acomodar".

O homem antigo tinha funções, ocupações definidas. Não vivia muito, por doenças ou pelo envelhecimento ou cansaço com pouca idade. Então aproveitava seu tempo para exercer bem e honradamente a sua ocupação e posição social. Seu horizonte de experiência, agora do ponto de vista geográfico e social, era restrito à pessoas e lugares por onde circulava, no atendimento de sua função.

Facilmente se demarcava os limites da ação de um homem. As consequencias dos seus atos, e os acontecimentos que se desenrolavam a partir deles, eram tributados aos deuses, seres eternos que conhecem melhor do que o homem o funcionamento do mundo, e seu proprio destino.

O homem atual não tem limites espaço-temporais, estipulados por outrem, para agir ou intencionar agir. Seus limites são constantemente re-estabelecidos. Ele expande seus limites naturais, com o Viagra. Através do virtual, amplia o que seus olhos podem ver, e até onde vai a sua presença. Os limites dos seus atos estão na moral e na lei, dadas pelos homens, também em constante modificação.

Não é Deus quem diz o que o homem pode fazer, senão ele mesmo. Não é Deus quem criou o mundo, senão ele mesmo. O homem chegou a ponto de se dizer criador de Deus.

Esse é o nosso modo se ver as coisas. Hoje, quem atribui responsabilidades a Deus busca esquivar-se de suas próprias, como no caso de quem diz que "entregará nas mão de Deus" o resultado de um teste de gravidez; também há quem busque proteger-se por Deus, dizendo que ele garantirá que uma viagem ocorra em segurança.

Há atos nossos cujas consequencias podemos prever e controlar. Para isto entram nossos princípios técnicos e morais, de ação ("preciso seguir procedimento x", "não posso falhar moralmente, fazendo y"). E há consequências, para nossos atos, que fogem do nosso controle, como a segurança de um vôo de avião. Também há doenças de cura não garantida, nas quais encontramos o limite do que podemos fazer ou escolher.

Invocar Deus serve para me desresponsabilizar sobre o que eu deveria ter responsabilidade. E também serve para amparar o homem, nas situações em que ele não sabe o que fazer, ou não consegue fazer o que sabe, e busca proteção.

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