quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Você só diz "sim" ou "não"?


No programa "Participação Popular", da Tv Câmara, de 27/01/15 (http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/materias/PARTICIPACAO-POPULAR/480792-VOCE-E-FAVORAVEL-AO-DESARMAMENTO-DA-POPULACAO.html), discutiu-se uma proposta, em tramitação, de modificação do Estatuto do Desarmamento, visando facilitar e ampliar o acesso da população à obtenção de uma arma de fogo. Parece-me, esta proposta vem responder a certas demandas de indivíduos, que chegam à Câmara, ou que foram inferidas de plebiscitos sobre se se é contra ou a favor do desarmamento da população.

Em participação no programa, meu amigo, o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., entre outros pontos, disse que o sim ou o não impedem a conversa e a reflexão sobre esse e outros assuntos. Desenvolverei este ponto. A participação em um plebiscito não é obrigatória, diferentemente do que é nas eleições de governantes. Quem participa de um plebiscito tem interesse na matéria em questão, seja ela a ampliação do acesso às armas de fogo, a legalização do aborto, a legalização do uso da maconha, a redução da maioridade penal, etc. O votante chega, em geral, querendo a modificação da legislação referente a esses assuntos. Portanto, ele e sua opinião não são a população e a opinião dela.

No programa supracitado, foi dito que enquetes informais de sites costumam dar larga vitória do sim ao aumento do armamento. O apresentador leu uma opinião do público que dizia ser esta a vontade da população. Pergunto a você: você acha que se perguntássemos sim ou não quanto a essa questão, a passantes na rua, no centro da sua cidade, escolhidos aleatoriamente, o aumento do armamento venceria? Ou o armamento é do interesse de parte da população que é justamente que se dispôs a votar no plebiscito, enquanto a maioria não se interessou pelo caso?

Nenhum plebiscito representa a opinião da população. A maior parte das pessoas tem suas opiniões, e elas aparecem, se perguntadas. Em uma abordagem na rua, provavelmente. ouviríamos algumas narrativas, dando uma conversa sobre o assunto, mas nada supostamente tão bem acabado quanto o sim ou um não no plebiscito.

A redução de um assunto ao plebiscito favorece que se pense por ideologias, ou seja, que não se pense. A justificativa apresentada por participantes do programa para o cidadão comum ter uma arma é que ele fará a própria segurança, já que o Estado não cumpre isso. Ideologia é falseamento da realidade, e a razão nos diz que que matar um assaltante em um dia envolverá o atirador em um círculo infernal de justiça e fuga da retaliação de outros criminosos. Esse arrazoado pode estar embutido nos votos contrarios à proposta, que obviamente perdem para o "sim" num plebiscito que é muito mais respondido por quem tem interesse na coisa.

Um plebiscito sobre a a legalização do aborto seria mais dividido pois, a favor, temos o alerta para a realidade das mortes de mulheres em clínicas clandestinas, e também a ideologia do "meu corpo, minhas regras" (que é falsa, pois é o dinheiro público que seria gasto no "seu corpo", e as decisões de uma pessoa implicam na vida de outras pessoas, inclusive a vida do feto). Contrariamente ao aborto teríamos posições moralistas, simplesmente proibitivas, mas também morais, que querem segurar a mão ávida do homem, que a tudo quer controlar ou descartar. Mas, num plebiscito, qualquer riqueza argumentativa não aparece, não é fomentada, o não pensamento toma a cena e fica-se com a impressão de que uma tal "vontade do povo" foi ouvida.

Interesses todos nós temos. Mas você já reparou que quem fala "vontade do povo" está falando é da vontade dele mesmo?

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