quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Ainda esperança



João concluiu a faculdade. Mora com os pais. Quer morar sozinho. Foi efetivado na empresa em que estagiava. Para sair de casa, precisaria ganhar bem mais. A pós-graduação certa resolveria? Naquela empresa ele será valorizado, ou é melhor procurar outro lugar para trabalhar? Levou suas dúvidas e vontade de jogar conversa fora para a portaria do seu prédio: o porteiro da noite tem um papo melhor do que o café ralo que costuma fazer.

A casa de José é própria, e fica num bairro distante, onde João nunca esteve. A conversa dos dois passa por vários assuntos. Os compadres não têm o que não dizer. João fica sabendo que o outro tem um carro, comprado usado, uma tv de plasma em casa, e também que, nas últimas férias, José foi com Francisca e as duas crianças para Fortaleza, cidade de nascimento do casal. Francisca trabalha como diarista naqueles apartamentos dali. Do governo, eles recebem uma bolsa por cada criança.

No dia seguinte, João comenta com sua mãe sobre estas coisas. Ela viu uma porção de problemas onde o filho não via nada de mal: "você sabe quantos anos eu dependi de ônibus, para ir ao trabalho? Você sabe quanto custam as contas da sua casa? Pergunte ao José se eles pagam a água ou a luz que consomem em casa. E a tv? Eles só querem ostentar, e os impostos que pagamos vai para eles.". João não teria dinheiro para pagar um plano de saúde, não fosse o de seus pais. Saúde e educação andam caras. Porque políticas públicas, dessas áreas, são pedidas só pelos pobres, ou melhor, pela classe média para os pobres?

João sabe que falta saúde e educação públicas de qualidade, para José. Para ele e sua mãe também faltam, mas eles não o percebem porque, no seu horizonte, estão os serviços particulares, cada vez mais caros. A classe média sente como cada vez mais inacessíveis as condições de prosperar, ou seja, dentro do ideário liberal, concluir todos os estudos e poder escolher um trabalho que remunere o suficiente para uma vida confortável e, sem muito esforço, poder comprar coisas mais caras.

A mãe de João gostaria de um presidente cujo trabalho trouxesse mais benefícios para a família dela. Reinvidicar algo do governo é inútil. João está próximo à universidade. Ele entende que os últimos governos mexeram num antigo problema do país: o Brasil é uma terra feliz, mas, com grande número de miseráveis e profundamente desigual. Feliz, talvez, porque pouco educado, e não percebedor dos próprios problemas; reclama de quem manda, mas se exime de mandar em quem manda; acha que vive em abundância natural de tudo, inclusive de "jeitinhos de última hora", por isso abandona o que requer trabalho e dedicação. Os mais pobres estão consumindo, a economia não está em crise. Nos queixamos um pouco, mas infelizes? Não.

João mantém a esperança na melhoria da vida de todos. Da vida dele, também, mas ele pensa em "sociedade", "direitos", etc. Sua mãe tem pressa, não quer bla bla bla teórico. A esperança precisa de condições mínimas para a busca de melhorias que permitam a prosperidade. A classe média ainda tem alguma condição, por isso parte dela adere ao "bem comum". Isso faz bem a ela. Ainda não estamos tão apertados a ponto de não podermos mais usar de razão sensível, não é?

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