terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Rindo da autoridade

Um adulto fica de pé. Ele anda por aí, mexe em coisas e fala com pessoas. Ele fala com crianças que, quando não lhe respondem como ele gostaria, recebem a "ajuda" da mão dele.

A criança acabou de ficar de pé. Costuma cair. Quer fazer o que o adulto faz e, como este, faz as coisas a seu modo. Mas, por lhe faltar certas informações e habilidades, sua vontade expressa-se sem mediação, sem cálculo. Ela também age em relação a outras crianças. Quando está diante de uma criança mais nova, quer passar orientações, dar ordens. Porta-se como um adulto, nesta relação.

O adulto é alto e, agindo com seu corpo, também usa sua boca. Há uma inseparabilidade entre o que diz e faz, mesmo que, algumas vezes, o que ele diga vá para um lado, e o que faz, para outro. Como dizer também é agir, o adulto acaba agindo de duas formas diferentes, ao mesmo tempo.

A criança não tem tanto repertório de fala. Por isso suas mãos, pernas, rápidos redirecionamentos dos quadris, etc, acompanhados de gritos, choros e músicas são empregados para darem logo o recado. Este gestual também acompanha a fala do adulto.

Quando um adulto tem sentimentos contraditórios por alguém, com relação a ele o adulto agirá ora de um jeito, ora de outro (mesmo que não faça a segunda ação no mesmo espaço físico em que fez a primeira). Ele apresentará dois comportamentos.

A criança apresenta uma pequena diferença, neste ponto: ela pode dizer que não gosta de você mas, logo em seguida, te fazer um carinho ou buscar o seu colo. Nem sempre ela declara a afeição que sente por alguém. Brincar junto ou adormecer sob o seu carinho são formas com que a criança expressa o que sente.

No entanto, quando este alguém estiver falando com ela, a rejeição, da parte da criança, pode surgir. Isso porque uma fala pode soar como uma ordem, mais do que uma mão pegando sua mão e a conduzindo. A criança vai querer se livrar do falador, inclusive recusando-se a escutá-lo. Ela sente-se mais à vontade com uma parceria, de sono, por exemplo, do que com uma indagação sobre o que pretende fazer.

Além disso, a fala do adulto para ela é uma espécie de abuso: ele domina suas próprias palavras, e se apresenta ao jogo menos verbal da criança com uma vantagem injusta. Por isso esta esconde a afeição, usa o que diz e como age para confundir e vencer o adulto, o que significa fazer as coisas do jeito dela.

A criança mostra a língua e ironiza a fala do adulto, zombando do seu poder e tomando-o para si. Um adulto que passe muito tempo com elas, e que não seja a figura de principal afeição dela, como a mãe, o pai ou a professora, receberá chutes na canela e, se estiver sentado, tapas na cabeça e nas costas. Atreveu-se a deixar as alturas seguras da sua fala, e pôs-se ao nível em que a criança exerce total domínio.

O adulto reconhece as ações da criança, as legitima. A criança mostra o não para quem costuma limitá-la. A ordem do adulto tem um limite. Mas, então, o que a criança fará? Ela também não pode fazer o que quer... Ambos se sentem com a boa oportunidade de serem parceiros no afinamento de um agir junto, e no aprendizado do que podem ou não fazer.

Uma brincadeira tem início. Ou é hora do jantar. O adulto se levanta e diz à criança o que fazer. Desta vez, eles apenas deixam-se ir. A brincadeira está divertida, o prato parece bom.

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