terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O bom destino


A rainha leu o destino de seu filho: a palma da mão dele dizia, pela pouca extensão da linha da vida, que ele morreria cedo. Para a mãe não ter que vê-lo quando chegasse a hora de ele morrer, ele decidiu viajar para longe.
Ao filho, a mãe não mais prometia uma vida. Houve o rompimento de uma situação de estabilidade e, consequentemente, de conforto.
Esta história chama-se "O bom diabo", e está no Histórias de Tia Nastácia, do Monteiro Lobato.
Após umas horas de caminhada, o jovem encontrou uma pequena igreja. Entrou e viu o teto meio caído, as paredes mofadas, as cadeiras quebradas. Uma estátua de São Miguel e uma do diabo completavam o quadro de ruína. O príncipe reuniu alguns homens da localidade e ordenou que reformassem tudo.
Terminado o serviço, os homens chamaram-no. A igreja estava uma beleza, a madeira das cadeiras e confessionário novinha, o piso e o telhado como se não tivessem visto o tempo. São Miguel estava renovado. O diabo, contudo, fora deixado na mesma.
"Porque não pintaram o diabo? Eu ordenei que reformassem tudo.", disse o príncipe, que bem havia reparado que sobrara material para fazer reforma. "Consertem e pintem o diabo!".
O príncipe seguiu viagem. Com o fim dos últimos raios solares, ele teve de pedir abrigo na primeira casa que encontrou, naquele caminho de mato fechado. Uma velha o recebeu com amabilidade. Ela lhe disse que os moradores daquelas redondezas, ela, inclusive, estavam acostumados a receberem viajantes. Ele que não se preocupasse com nada, naquela noite!
A velha deu-lhe alimento e mostrou onde ele dormiria. Durante a madrugada, no entanto, a velha bisbilhotou os pertences do jovem. Encontrou o dinheiro que ele levava consigo. Pegou uma parte do dinheiro, guardou, e chamou a polícia. Ao policial a velha disse que uma quantia em dinheiro dela havia desaparecido, e que ela desconfiava do jovem que ali encontrava-se hospedado. O policial fez uma busca no meio das roupas do jovem, e realmente viu que havia dinheiro guardado. A velha sempre vivera naquela região, era conhecida. Não parecia haver razão para se acreditar num forasteiro.
Isto tudo se passou distante do reinado da família do príncipe. O rei dali não conhecia aquele jovem. Por ter roubado a velha, este foi condenado a morrer na forca.
No dia da execução, São Miguel e o diabo estavam de conversa. "Que linda essa pintura, heim? Estou em plena forma!", disse o diabo. "Pois, é. Um jovem príncipe passou por aqui e cuidou para que tudo fosse restaurado. Mas você sabia, diabo, que este príncipe está pretes a ser enforcado, por uma condenação injusta?". São Miguel contou ao diabo a obra da velha. "Preciso fazer alguma coisa.", disse o diabo, que transportou-se para o castelo do rei, solicitando que o chamassem.
O diabo contou ao rei tudo o que havia se passado. O rei mandou suspender a execução do jovem, e que a velha fosse trazida até ele. Ela resistiu um pouco a dizer a verdade, mas acabou confessando. Seu castigo foi ser amarrada no lombo de um burro bravo, a ser solto para uma infinita galopagem, na floresta. Ao príncipe foi apresentada a filha do rei, que estava a espera de um noivo.
Nesta história, o príncipe havia perdido a base para sustentar sua expectativa de vida. Caiu na estrada. Contudo, esperança ele possuía, e cuidou de São Miguel e do diabo. Este não esqueceu do príncipe, aparecendo para ajudá-lo, na hora certa.
Provavelmente, o diabo passará a acompanhar o príncipe, falando em seu ouvido para que pare a cada vez que ele estiver na iminência de fazer algo que o prejudique.
De forma maniqueísta, dizemos que determinadas figuras voltam-se exclusivamente ao mal, outras ao bem. O diabo, aqui, não é o demônio, mas um anjo da guarda, com quem o príncipe comporá uma dupla, uma relação de intimidade, ao mesmo tempo animadora e protetora.

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