domingo, 6 de julho de 2014

No feijoada, yes coca

"Me paga uma coca? A menina de rua pede uma coca. Você não quer um suco e um salgado, que alimentam mais?, responde a moça. As pessoas falam "não vai ter Copa". Estão querendo redução na passagem? Mais médicos no hospital? O que vocês querem dizer com "não vai ter Copa?". Vocês são um povo sem direitos. Sambaram até ontem e agora deram pra reinvindicar. Então reinvindiquem clara e ordenadamente." Usamos aqui e ali, sem, contudo, entender, o "a gente não quer só comida. a gente quer comida, diversão e arte". Achamos que era para patrocinar uma escola de capoeira na favela. "Afinal, negro e pobre, que já está meio que sem saída, só pode ser capoeirista, sambista, malandro." Eduardo Giannetti, no Na Moral, da Globo, fala da maravilha que é a feijoada, feita dos restos que o negro tinha para aproveitar. Que maravilha o improviso, improvisar na senzala! Improviso com a lei não. A lei deve ser seguida. E informalidade não combina com protestos, prossegue Giannetti. "A gente quer saída pra qualquer parte". Quem faz uma escola de capoeira pensa estar tirando jovens do tráfico. Alguns, está. Mas não deveria ser assim, de se ter gente precisando de "saída pra qualquer parte". Mas tem outras coisas acontecendo. A menina pede coca. O cara tá de smartphone, morando num lugar sem água. As pessoas não nascem para sobreviver, mas para viver. Elas querem viver. Mesmo sendo pobre, ele não quer a sua dica de saúde ou de economia doméstica. Temos medo do desejo. Medo do pobre. Medo do desejo do pobre. Tony Ramos, ainda no Na Moral, reitera que devemos ter educação. O que queremos com a tal "educação para o povo"? Que pensemos numa meta para os protestos, e que, chegando lá, não precisemos protestar mais? Ou educação seria um modo de protestarmos ainda melhor? Bial diz que reclamamos da corrupção, mas somos corruptos. Que moral temos para gritar? Bem, os direitos da maioria não são garantidos. Não temos uma ideia do que seja sociedade civil. Então cada um acha que tem que garantir o seu. Andamos facilmente pela ilegalidade. Mas não devemos olhar muito, muito menos comentar, as vantagens que o outro leva. O máximo que se fala é na fila do mercado. No mercado popular, fala-se dos empresários e do governo ladrões. No mercado caro, fala-se do pobre vagabundo e do governo que o favorece, e prejudica quem tem dinheiro. Agora estão todos falando na rua. Começamos a nos desinibir. Giannetti falou que sem ordem o que se tem é isso aí: "nenhuma mudança". E as greves? O acirramento do confronto entre a sociedade e o Estado? Tem algo acontecendo, sim. Bial relembrou-nos que somos (e devemos ser) sambistas, e politicamente passivos. Bom é feijoada! Walter Benjamin conta que o que chamamos de cultura são coisas que faziam parte da experiência das pessoas, mas que foram desvalorizadas e suprimidas, junto com o modo de viver que lhes correspondiam. Então celebrar a cultura é celebrar a destruição, a barbárie, da qual a cultura é documento. Comer orelha e rabo de porco é uma desgraça! Há, também, aquelas mágoas de rico x pobre. Só que o "o governo não me representa" e o "não vai ter Copa" nos fazem falar ainda mais, pelo prazer de falar. "A gente quer" o que? Não responda agora. Eu só sei que não ando a fim de gritar gol.

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