domingo, 20 de julho de 2014

Jogo e amor frios

O jogo e o amor não têm mais a ver com talento ou sorte, não dão mais emoção. Em uma seleção de vendedores para uma grande rede de livrarias, a psicóloga e um dos gerentes fazem-se de casal de clientes insatisfeitos. Eles falam alto, não aceitam as soluções oferecidas pelos vendedores, e todos vão ficando mais e mais nervosos. O candidato que mostrou-se mais calmo, e que ao mesmo tempo teve a melhor iniciativa, as melhores ideias, ficou com a vaga. A chamada "dinâmica" é apresentada como uma simulação do trabalho real. Entretanto, no trabalho real, o que conta é conseguir permanecer horas de pé, com a mesma boa cara e solicitude, para os clientes, e arrumar muitas prateleiras de expositores e de depósito, com a mesma atenção. Um cliente nervoso é acontecimento raro, por isso, o não explodir diante dele também não é requerido sempre. E boas sugestões e conhecimento em livros, quando oferecidos, são coisa de vendedor chato, falante demais. O funcionário que se contém em discussões, e em tarefas não se contém e mostra-se criativo, é o sujeito moderno, que governa suas emoções, e consulta a si mesmo e se aciona. Ele é tudo o que não permanece em uma empresa, média ou grande. Grandes empresas, no Brasil, formam conglomerados. Não há competição no mercado, e no cotidiano do do trabalho, a criatividade e a garra devem dar-se dentro do já estipulado. Em uma das Lojas Ameticanas a locutora fala o placar de uma outra loja e incentiva as caixas a atenderem rápido e a sugerirem aos clientes o cartão da rede e outros produtos. Em uma festa infantil, os animadores dividem as crianças em equipes e pedem que busquem isqueiro no meio dos adultos, adivinhem a música, etc. O dia a dia em uma empresa é uma gincana: a aparência é de competição e de que há chance de o desempenho individual ser bem recompensado, ou tornar-se uma ideia-mestra do setor ou do negócio, mas não há real competição. E todos sabem disso. Uma atendente de caixa ou um executivo que sejam elogiados num dia, no outro podem ser mandados embora. Ou terem que repetir o brilho de novo e de novo, pois o brilho não dura. As relações pessoais também seguem o script. Nas histórias, o homem corre, agarra a mulher e a beija. Faz isso todos os dias, com pequenas variações. É ousado, vive suas emoções intensamente. Ainda existe verdade humana, acreditamos. Eis que alguém se interessa por você. Manda um whatsapp de bom dia, liga à noite. Você imaginava mais ou menos isso, está dentro do esperado para alguém interessado. Então ele resolve dizer que tem pensado muito em você, e que deseja um encontro. Para Platão, a paixão é uma loucura divina: sob efeito de Eros, a pessoa esquece tudo e todos, e quer atirar-se ao seu amado. É incoveniente, atrapalha a própria vida e a do outro, mas lisonjeia o amado, vê nele belezas que outros não vêem. Deseja-lhe coisas maravilhosas. O objeto do amor ajudará seu amante a aprender a conter-se. Entre nós, a emoção real é a da história, e tem que continuar nela, a não ser que se dê conforme um script. A possibilidade de perder tudo no amor e nos negócios não existe, nem de ganhar, pois todos são iguais, chances num jogo sem novidades. A ousadia do homem resume-se a um topete e a "ter pegada". As emoções devem não ser curtidas, sofridas e excitarem, mas serem tensão, alegria e tristeza em jogos de lances repetitivos ou já previstos, e com o objetivo ou curto ou já traçado. Não há expectativa, surpresa, nem real espontaneidade, euforia ou depressão.

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