quarta-feira, 18 de junho de 2014

Seres de um só dia

O catolicismo tem uma longuíssima tradição de investigação da relação do homem com o absoluto. Continua uma tradição poética e filósofica da antiga Grécia. E essas tradições sempre foram educadoras. Veja esses versos de Semônides de Amorgos: "Meu filho, Zeus tem na mão o fim de todas as coisas e dispõe-nas como entende. O homem não tem o mínimo conhecimento delas. Seres de um só dia, como os animais no prado, vivemos ignorantes do modo que a divindade usará para levar cada coisa a seu fim. Vivemos todos da espera e da ilusão: os seus desígnios, porém, nos são inacessíveis. A velhice, a doença, a morte no campo de batalha ou sobre as ondas do mar atingem os homens, antes de eles terem conseguido o que queriam." (Semônides, frag. 1, in Jaeger, Werner. Paideia. p. 163). O homem vivia em sua busca por ter uma bela e virtuosa vida, e com a idéia de que ele não sabia ou podia controlar tudo, portanto, ele tinha limites de existência e ação. Bem depois, nas práticas confessionais cristãs, presentificávamos a nossa alma para nós mesmos. Deus, sendo absoluto, deixou-nos mais livre do que um conhecido, um igual, nos deixaria, para explorarmos nossa alma. A alma era consciente de si mesma, e, a essa altura, apenas começávamos a falar sobre nós mesmos. E a existir enquanto individualidade independente. Essa individualidade ganhou força, e a doutrina do amor ao próximo, vinda da noção de que não somos nós que mandamos nas coisas, veio dar na nossa cultura liberal de respeito pelos direitos ou liberdades dos outros. Quer dizer, nossa moral laica é cristã. E o cristianismo é essa literatura moral (e que não se trata de dizer uma "verdade" sobre as coisas) de onde emanam princípios que qualquer um de nós pode achar bons, e que levariam a bons modos de viver. Contudo, não podem enxergar a nossa vinculação a esta tradição os que não adquiram nossa cultura grega-cristã, ocidental e iluminista (teologia não é ciência, mas sempre foi investigação racional. A ciência moderna deve a ela, e à filosofia, toda a sua ideia de racionalidade). Esta incultura vai dar nos que professam uma firme fé no ateísmo, ou na igreja evangélica. Não tendo aprendido a entender gêneros textuais, por uma escolarização ruim, acreditam que a bíblia serve a uma verdade que precisa ser seguida sem interpretação. E seu abraço, ou sua fuga dela dizem de uma crença de que a opinião deles ou do pastor é a única. Eles tornaram-se os absolutos! Nenhum deles crê em Deus porque, enfim, Deus são eles mesmos! Ficam presos às mesmas ideias, não conseguindo pensar direito, impossibilitados que estão de entender conceitos e, ao mesmo tempo, cotejarem narrativas. E não respeitam o diferente, pelo ódio que têm de quem se comporta de outra forma da que eles consideram a correta. São moralistas, pois, por não entenderem os fundamentos da moral, que dariam uma noção do seu sentido e das relações não bitoladas e sofridas que o homem pode ter com ela, acabam querendo o controle pelo controle. Um militante pelo direito de minorias, se estiver nessa condição de se dizer ateu e ser ele mesmo um deusinho, assim que puder vai por as manguinhas de fora e dizer o jeito "certo" de ser gay, ou negro, ou mulher. O evangélico, por sua vez, quando diz odiar a homossexualidade, mas amar o homossexual, está disfarçando mal a intenção de receber o gay e querer "curá-lo", e limpar o mundo desse jeito de ser. Porquê? Porquê está na bíblia como devem ser as uniões. Tá escrito, então é assim que deve ser. Eu finjo que acredito nisso, e me mantenho bem comportado e com medinho. E o pastor, com dinheirinho roubado no bolso.

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