quarta-feira, 18 de junho de 2014

Rolezinho

Escrito em 15 de janeiro, quando os "rolezinhos" foram notícia: O que direi abaixo não é uma reprodução do episódio recentemente ocorrido em alguns shoppings de São Paulo, de quebra de vidraças e furto de mercadorias. É uma situação hipotética. Imagine que você está em um shopping caro, onde um almoço, um computador ou um móvel custem muito mais do que custam nas lojas em que você compra. Ou melhor, o shopping vende coisas que você nunca pôde comprar, em lugar algum. Você anda por ele acompanhado dos seus amigos, e todos estão relaxados com o ar condicionado, os corredores em tons pastéis, arborizados, que desembocam em uma praça com um grande chafariz. As vitrines atraem os olhos, os fazem imaginar como seria fantástico ter isto ou aquilo. Você e seus amigos sentam-se numa lanchonete, e seu dinheiro dá para uma água. Você não se incomoda muito por só poder beber água, pois estar naquele lugar já é bom por si só. No seu grupo de amigos há garotos de 15 e 16 anos. Em determinado momento, eles esperam o restante do grupo tomar distância à frente. Lançam um para o outro o desafio de entrarem numa loja e roubar um doce. Ou então, entram em uma loja de computadores, para olhar, e suas brincadeiras e conversas altas incomodam os outros clientes e os atendentes a ponto de estes pedirem que os garotos diminuam o barulho. Os garotos respondem agressivamente, e chutam a vitrine, que se quebra. Os seguranças são chamados e agarram os garotos. Isso tudo assusta os clientes, que passam a querer ver aqueles estranhos o mais rápido possível fora dali. Não querem que eles sejam agredidos fisicamente, mas se esquecem de que um dia quiseram conviver com o "diferente" e pedem que se retire o direto de eles circularem por perto. Os garotos são levados para uma sala no shopping, onde são zoados pelos seguranças, que um dia foram garotos como eles, andando por shoppings caros. Um dos seguranças, aos risos dos outros, vai da zoação para a agressão verbal e também física, dando tapas nos garotos. Estes então são soltos, e reencontram o restante do grupo do lado de fora do shopping. São repreendidos pelos demais, ouvem que precisam se controlar melhor, para não darem muita bandeira e acabarem sendo expulsos dos lugares, sendo agredidos e proibidos de voltarem. Coloco esta situação para você, que é parecido comigo, na capacidade e no desejo de consumo, e nos lugares por onde costuma dar seus rolezinhos. O shopping que descrevi é padrão Eike Batista de consumo, muito acima do nosso. Nesse lugar hipotético, nós somos os pobres, nós somos os que estão começando a consumir mais e a conviver, em shoppings e universidades, com a elite. Já sentimos muita revolta por vermos alguém passar ao nosso lado com coisas boas e caras a que nunca tivemos acesso. Fomos adolescentes fortalecidos por seus hormônios e chutamos muitas lojas, corremos atrás de muitos "cidadãos de bem" e fugindo de policiais. Ouvimos muito de nossas mães que teríamos que estudar para ter as coisas, e não ficar muito tempo na rua de molecagem, quando éramos pequenos, ou inventando coisa que podia dar mais complicação, quando éramos jovens. Agora estamos no shopping, vendo as novidades, comprando uma coisa ou outra, ainda aos poucos, e mostrando nos nossos modos e roupas as novas aquisições de produtos e estilos. Nossos entusiamo nos faz um pouco engraçados, pecarmos no exagero de um boné levantado+fone gigante+óculos, ou de minissaia+cintão+botinha+cabelão. Riem de nós, mas até nos copiam um pouco. Os lojistas também riem, mas adoram ver o aumento nas compras. Às vezes acontece de um grupo dos nossos jovens se exaltar demais, querer mostrar valentia para um mano ou uma mina, e roubar um objeto, ou quebrar uma vitrine. Isso faz voltar a reação (aí sim) violenta dos outros consumidores, dos seguranças e dos lojistas contra nós. Enquanto pobres, sempre fomos vistos como potencialmente perigosos. Agora que estamos melhorando de vida, e convivendo mais com a elite, estamos nos acostumando aos modos adequados a um shopping, e o shopping está se diversificando no estilo e no modo de tratar as pessoas. Tá até ficando mais esperto, descontraído. Diminui a desconfiança deles por parte de nós, e de nós por parte deles. Mas ainda estamos no começo da convivência, e problemas vão acontecer. E, no calor de uma situação, todas as forças sociais podem reagir com discriminação e violência contra nós, pobres e negros, para que voltemos "para o nosso lugar". Mas tudo bem, as coisas ainda estão numa boa. Acabou o texto, e você já pode parar de imaginar. Vamos de rolezinho?

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