terça-feira, 8 de abril de 2014

Sobre a greve dos garis

A greve dos garis recebeu maior aprovação das pessoas do que a dos professores. O gari trabalha com o que ninguém quer mexer. Diz-se que é a profissão que acena para quem vai mal na escola (embora esteja se percebendo a alta concorrência nos concursos de gari, e se diga que "até pra ser gari" um mau aluno não serve). Diz-se que são injustamente invisíveis. O carnaval mostra que todos aspiramos à nobreza, que nos pensamos essencialmente diferentes, para melhor, do que quem está do lado (reparem que uma porção de escolas chama-se Império de algo, e, em nome do luxo, utiliza-se penas de animais, quando poderiam ser sintéticas). É uma festa em que qualquer um pode ser nobre. Vivemos o resto do ano sem sabermos exatamente qual o manejo e o destino dado ao nosso lixo. Temos nossos escravos de uma só cor para cuidar dele. O gari, pensamos, difere de nós pela inteligência, por ter que sofrer concorrência (ninguém aqui pega condução lotada) e por não ter face. Então o gari aparece falando que quer aumento de salário. Sim, ele recebe salário! Eu sei, muitos de nós não recebe salário. Não um salário que apareça no jornal: R$ 800,00. Ganhamos mais. Podemos até ganhar menos, mas ninguém mais fica sabendo, assim tão fácil, quanto recebemos. E ninguém aqui recebe adicional de insalubridade. As ruas do Rio estão com montanhas de lixo, mas as pessoas apóiam a greve dos garis. Este apoio não me parece a defesa de um pagamento mais justo, pela insalubridade por que ele passa. Não me parece também a defesa de um salário que permita alguém viver dignamente, pois o professor ganha o mesmo e nosso apoio para eles foi menor (nossas reclamações com as montanhas de criança fora da escola, querendo retirada rápida, foram maiores). Apoiamos a greve dos garis porque o modo de vida liberal, dentro do qual fantasiamos que somos reis, mostrou sinais de abalo com a greve dos garis: achamos que se eles não tiram nosso lixo porque o governo, pago por nós, não os paga o suficiente para que funcionem sem parar ou ranger, que o governo pague-os mais. A frente da casa ainda pode receber mais uns sacos de lixo, mas os garis, a menos desejada das profissões, aquela em que mais o trabalhador parece igual, e diferente de nós, precisam de um bom ajuste, para ficarmos tranquilos. Os professores nos fariam mudarmos em nós mesmos - quem liga pra isso? "E vai chiar por causa do dinheiro dos lixeiros, meu nobre? Paga logo os caras aí!".

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