segunda-feira, 14 de abril de 2014

"Nós podemos fazer tudo"

Estive novamente no sarau mensal do Grupo de Teatro Paz e Amor, do Rio de Janeiro, voltado para a terceira idade. Levei minha avó, como o fiz na outra vez, nossa primeira ida ao sarau. Os participantes iam até a frente do palco para cantar músicas antigas. Também faziam apresentações de dança. Uma das mulheres que cantaram apresentou-se com uma linda roupa de espanhola. A roupa era de um vermelho forte, e tinha a cintura ajustada. Chamava a atenção também os seus cabelos loiros. Enquanto transcorriam as apresentações, um homem dançava com muito suingue, sempre sorrindo. Uma mulher foi ao palco contar uma piada. A apresentadora preveniu a platéia de que seria piada pesada. Um grupo apresentou o "beijinho no ombro", da Valesca, reproduzindo os movimentos da coreografia. Novamente a mulher das piadas foi ao palco. A mestre de cerimônias discursava entre as apresentações. Uma hora ela falou que o idoso não precisa mais preocupar-se com o que vão pensar dele, e pode fazer o que quer. O adolescente quer ser notado. Ao contrário do que se pensa, ele confirma as expectativas que a família tem sobre ele, pois o que ela espera é que ele justamente tente decidir com a própria cabeça, embora, ainda, imaturamente, e force os limites da família. Para Kant, sujeito é aquele que, no âmbito da razão, produz por conta própria suas ideias, e, no âmbito moral, elabora os próprios juízos acerca do que deve ou não fazer. Ele usa a própria razão para pensar sobre as coisas, bem como para decidir o certo a se fazer nas situações que estão diante dele. Esta é a imagem iluminista do homem, "consciente dos próprios pensamentos, responsável pelos próprios atos". Do adulto esperamos que saiba orientar-se na vida, observando, lendo e dialogando sobre acontecimentos, e estudos ou trabalhos que queira realizar. Esperamos que ele saiba o que fazer nas situações corriqueiras ou excepcionais, no trabalho e em sua família. Ele deve ponderar o que os outros lhe dizem, tomar decisões e incentivar a que outros também sejam sujeitos. Porque, então, só sendo velho para se fazer o que quer? Temos encontrado problemas em sermos sujeitos, ou melhor, em sermos adultos? Professores, chefe, familiares e amigos da namorada, filhos, proprietário da casa que alugamos, policiais, e outros, podem nos fazer ter dúvidas e querer pensar e dizer apenas o que é bem aceito, agir de forma que não levante questões nos outros, não faça-nos ter que explicarmo-nos. Vergonha, querer sobressair-se menos, e ter menos para responsabilizar-se. Sensação de que deve algo, deve algo para si mesmo, de que não faz o que deveria fazer para crescer na vida. Sentimento de ser indigno de ter algo, de ser amado e respeitado. Medo de perder, ser traído, roubado ("seria até justo, se o fosse"). O idoso tem sua aposentadoria, pensões, filhos criados, mandou as figuras ameaçadoras para longe. Bem, muitos permanecem receosos e envergonhados. Mesmo com o adulto tendo aqueles problemas em ser sujeito, como adulto ele é reconhecido: é quem trabalha, faz sexo, cria filhos, fala com a professora e o guarda, e vota. É quem dá e recebe dinheiro. E quem participa de conversa de adulto. O velho deixou de ser essas coisas. É incapaz, café-com-leite. Mas a falta de gente qualificada para preencher postos de trabalho mais técnicos e que exijam experiência; o viagra e os avanços nos cuidados médicos para a gravidez depois dos 40, gerando pais tardios e pessoas de mais idade saindo de casa para divertir-se, fazer turismo e consumir, etc, fazem o velho ser coisa do passado. Homens e mulheres de mais idade vestem-se bonitos e sensuais, dançam e vivem novas emoções. Deixam os netos para as babás que os pais arranjam. Seus filhos assistem boquiabertos a isso tudo, escondendo o rosto quando os vêem rir, despudorados, de piadas sujas. E dançando até o chão (a medicina e os demais tratamentos de saúde, e os crescentes incentivos a que divirtam-se, permitirão isso), com o dedinho na boca. Lidar com o corpo é para gente madura. E a maturidade tem coincidido com o atingir de uma idade avançada. No entanto, mesmo com imaturidade e falta de segurança, fazer uma família, encarar o cuidado dela, passar por uma formação e enfrentar o trabalho, são tarefas que ainda se espera que sejam realizadas pelos que têm mais de 25. É preciso passar por tudo isso até para que se atinja a posição de "ser maduro". Os idosos vêem os jovens assumindo namoro, mostrando-se apaixonados, e sorriem com um misto de alegria e percepção de ironia, pois sabem o que aguarda aqueles garotos. Enquanto os adultos querem ser donos de seus narizes, a pessoa com mais idade já chutou o pau da barraca. Tirem as crianças bobas da sala.

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