Tem gente que se sente bem em festas. Nelas,
pessoas se reúnem para beber e trocar ideia com uns, e verem e serem vistos por
outros. Há normas sendo seguidas, é lógico, e elas cobrem, com mais ou menos
liberdade para variações, as roupas, o gestual, o tom de voz, a temática dos
assuntos e os vocabulários. Essas normas são implícitas, e dividem os
comportamentos e atitudes em adequados ou inadequados, para a reunião em que se está. Dentro desses
limites, sente-se prazer por se estar diante dos outros, e com o prazer que a
própria presença dá eles. O importante nessas reuniões é o estar junto,
conversar frivolidades, debater opiniões, ver e ser visto, e as normas têm
importância na medida em que os favorece. O prazer vem em primeiro lugar.
Tem
gente que se sente mal em festas. Implica da saia justa de uma e da beberagem
cheia de palavrões, do outro. Acha que o riso deve estar fora de discussões,
pois estas devem sempre ser sérias, e ocorrer apenas em reuniões bem pautadas e
distintas de uma festa. Ou bem se reúne, com pautas seguidas à risca,
censurando-se comportamentos que pareçam desviar dos objetivos, que devem ser
pré-estabelecidos, ou bem se festeja. Mas essas pessoas inventam até de colocar
as normas antes do prazer que se pode sentir em reuniões festivas, e ficam de
fiscal da diversão dos outros. Para esse tipo de gente, o que elas e os outros
fazem, em qualquer situação, deve ter uma finalidade, devem conduzir à
aproximação de objetivos "nobres". Portanto, eles vigiam para que a
abordagem de questões sociais e politicas sempre seja séria e solene. Tal
tratamento para essas questões seria conseguido com a defesa de um raciocínio
pensado antes, apresentado como ideologia, razão que não aceita que se
raciocine sobre ela própria.
As
ruas estão em festa. Somos milhões nos manifestando. Pagamos altos impostos,
mas os serviços públicos são inexistentes. A educação e a saúde privada são
cada vez mais caras e distantes até da classe média. Os transportes aviltam, a
polícia ameaça e os gastos com a Copa oportunizam desvios ainda maiores do que
os roubos corriqueiros de dinheiro público. Ao nos manifestarmos sobre as
vivências que temos com a política e os problemas da vida na cidade,
experimentamos olhá-las novamente. Então nos sensibilizamos e nos indignamos
mais com eles. A experiencia do manifestar-se leva a uma outra experiência da
cidade e de nós mesmos. Leva-nos a ver o que pode ir melhor no que é para
todos, e, na medida em que fazemos nossa vontade ser ouvida e debatida com
outras, a nos vermos como individuos que podem intervir sobre suas condições de
vida, sem precisarem recorrer a pequenos acordos, escondidos e, não raro,
coercitivos. O que queremos não é objetivo: a diminuição do preço do transporte
não é o bastante. Penso que uma política de saúde ou educação que os pusesse
para funcionar também não nos satisfaria. Mesmo que as manifestações deixem de
reunir a quantidade de gente que têm reunido, a experiência de que se pode
falar, desenvolver um olhar melhor sobre as coisas e organizar frentes de
opinião e de demandas com entrada na agenda política, faria-nos ter a prática
de opinar mais e melhor no facebook e na rua, isoladamente ou em grupos
pequenos, médios ou grandes. A manifestação passou a fazer parte do nosso
ethos, ouso dizer. Não vamos deixar a fantástica experiência dessas semanas
simplesmente acabar. Fomos modificados, e, assim, vamos modificar a política.
É pela
festa que chegamos a desenvolver essa política. Achamos ultrapassado e bobo
quem vem dizer que devemos ter foco, mirar num objetivo x ou y, e quer tentar
normatizar e moralizar nosso comportamento, roupas e cartazes. Quem vem com a
ideia de que devemos ter finalidade nas manifestações é alguém que está por
fora da própria conversa, e que, aí sim, não queremos ter por perto. Depois
dessa conversa e diversão entre nós, que venham os partidos e o governo, mas
para fazerem o que queremos. Aquele tipo de militante que não sabe se divertir,
pode ficar atrás da bandeira, da máscara, das "cinco causas", das
normas, no passado ou em Plutão. Ele não pode estar entre nós, na política que
fazemos com corpo e alegria.
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