domingo, 23 de junho de 2013

Festa da democracia.


    Tem gente que se sente bem em festas. Nelas, pessoas se reúnem para beber e trocar ideia com uns, e verem e serem vistos por outros. Há normas sendo seguidas, é lógico, e elas cobrem, com mais ou menos liberdade para variações, as roupas, o gestual, o tom de voz, a temática dos assuntos e os vocabulários. Essas normas são implícitas, e dividem os comportamentos e atitudes em adequados ou inadequados, para a reunião em que se está. Dentro desses limites, sente-se prazer por se estar diante dos outros, e com o prazer que a própria presença dá eles. O importante nessas reuniões é o estar junto, conversar frivolidades, debater opiniões, ver e ser visto, e as normas têm importância na medida em que os favorece. O prazer vem em primeiro lugar.

    Tem gente que se sente mal em festas. Implica da saia justa de uma e da beberagem cheia de palavrões, do outro. Acha que o riso deve estar fora de discussões, pois estas devem sempre ser sérias, e ocorrer apenas em reuniões bem pautadas e distintas de uma festa. Ou bem se reúne, com pautas seguidas à risca, censurando-se comportamentos que pareçam desviar dos objetivos, que devem ser pré-estabelecidos, ou bem se festeja. Mas essas pessoas inventam até de colocar as normas antes do prazer que se pode sentir em reuniões festivas, e ficam de fiscal da diversão dos outros. Para esse tipo de gente, o que elas e os outros fazem, em qualquer situação, deve ter uma finalidade, devem conduzir à aproximação de objetivos "nobres". Portanto, eles vigiam para que a abordagem de questões sociais e politicas sempre seja séria e solene. Tal tratamento para essas questões seria conseguido com a defesa de um raciocínio pensado antes, apresentado como ideologia, razão que não aceita que se raciocine sobre ela própria. 

    As ruas estão em festa. Somos milhões nos manifestando. Pagamos altos impostos, mas os serviços públicos são inexistentes. A educação e a saúde privada são cada vez mais caras e distantes até da classe média. Os transportes aviltam, a polícia ameaça e os gastos com a Copa oportunizam desvios ainda maiores do que os roubos corriqueiros de dinheiro público. Ao nos manifestarmos sobre as vivências que temos com a política e os problemas da vida na cidade, experimentamos olhá-las novamente. Então nos sensibilizamos e nos indignamos mais com eles. A experiencia do manifestar-se leva a uma outra experiência da cidade e de nós mesmos. Leva-nos a ver o que pode ir melhor no que é para todos, e, na medida em que fazemos nossa vontade ser ouvida e debatida com outras, a nos vermos como individuos que podem intervir sobre suas condições de vida, sem precisarem recorrer a pequenos acordos, escondidos e, não raro, coercitivos. O que queremos não é objetivo: a diminuição do preço do transporte não é o bastante. Penso que uma política de saúde ou educação que os pusesse para funcionar também não nos satisfaria. Mesmo que as manifestações deixem de reunir a quantidade de gente que têm reunido, a experiência de que se pode falar, desenvolver um olhar melhor sobre as coisas e organizar frentes de opinião e de demandas com entrada na agenda política, faria-nos ter a prática de opinar mais e melhor no facebook e na rua, isoladamente ou em grupos pequenos, médios ou grandes. A manifestação passou a fazer parte do nosso ethos, ouso dizer. Não vamos deixar a fantástica experiência dessas semanas simplesmente acabar. Fomos modificados, e, assim, vamos modificar a política.

    É pela festa que chegamos a desenvolver essa política. Achamos ultrapassado e bobo quem vem dizer que devemos ter foco, mirar num objetivo x ou y, e quer tentar normatizar e moralizar nosso comportamento, roupas e cartazes. Quem vem com a ideia de que devemos ter finalidade nas manifestações é alguém que está por fora da própria conversa, e que, aí sim, não queremos ter por perto. Depois dessa conversa e diversão entre nós, que venham os partidos e o governo, mas para fazerem o que queremos. Aquele tipo de militante que não sabe se divertir, pode ficar atrás da bandeira, da máscara, das "cinco causas", das normas, no passado ou em Plutão. Ele não pode estar entre nós, na política que fazemos com corpo e alegria.

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